No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, o ministro Carlos Ayres Britto (relator) votou pela procedência integral da ação, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67). Para ele, a Lei de Imprensa não pode permanecer no ordenamento jurídico brasileiro, por ser incompatível com a Constituição Federal de 1988.
Com duração aproximada de uma hora e meia, a leitura do voto do relator abordou o limite da proteção constitucional da liberdade de imprensa e a relevância do tema em países de democracia consolidada, como os Estados Unidos da América. O ministro também ressaltou que Constituição brasileira reservou um capítulo específico para a imprensa, devido à sua importância na sociedade.
Ayres Britto disse que a imprensa é vista por si mesma e pela coletividade “como ferramenta institucional que transita da informação em geral e análise da matéria informada para a investigação, a denúncia e a cobrança de medidas corretivas sobre toda conduta que lhe parecer (a ela, imprensa) fora do esquadro jurídico e dos padrões minimamente aceitáveis como próprios da experiência humana em determinada quadra histórica”. Assim, completou que a característica multifuncional da imprensa atesta a evolução político-cultural de todo um povo. “Status de civilização avançada, por conseguinte”, afirmou.
Em seu voto, o relator salientou que o pensamento crítico “introjeta no público em geral todo apreço pelo valor da verdade, forçando a imprensa a informar em plenitude e com o máximo de fidedignidade”. O ministro Carlos Ayres Britto lembrou que a História ensina que, em matéria de imprensa, não há espaço para o meio-termo ou a contemporização. Segundo o ministro, “ou ela é inteiramente livre, ou dela já não se pode cogitar senão como jogo de aparência jurídica”.
TV, Rádio Justiça e sítio do STF
Ayres Britto destacou ser próprio da cidadania o direito de conhecer e acompanhar de perto as ações dos poderes. Segundo ele, o exercício desse direito é favorecido pela atuação da imprensa livre. “Nós mesmos do Supremo Tribunal Federal temos todas as condições para dizer da sua magnitude e imprescindibilidade”, disse.
De acordo com o ministro, a própria história do Supremo pode ser contada em dois períodos: antes e depois da TV Justiça. Ele lembrou que a emissora, implantada pelo então presidente Marco Aurélio, se somou ao sítio de notícias da Corte e à Rádio Justiça, criada na gestão da ministra Ellen Gracie, “para dar conta das nossas sessões plenárias em tempo real”.
“O que tem possibilitado à população inteira, e não somente aos operadores do Direito, exercer sobre todos nós um heterodoxo e eficaz controle externo, pois não se pode privar o público em geral, e os lidadores jurídicos em particular, da possibilidade de saber quando, quanto e como trabalham os membros do Poder Judiciário”, disse. Ele completou afirmando que todo servidor público é um servidor do público, “e os ministros do Supremo Tribunal Federal não fogem a essa configuração republicana verdadeiramente primaz”.
Irmãs siamesas
O ministro considerou a imprensa como verdadeira irmã siamesa da democracia, sendo assim, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento e de expressão dos indivíduos. “Até porque essas duas categorias de liberdade individual também serão tanto mais intensamente usufruídas quanto veiculadas pela imprensa mesma (ganha-se costas largas ou visibilidade – é fato –, se as liberdades de pensamento e de expressão em geral são usufruídas como o próprio exercício da profissão ou do pendor jornalístico, ou quando vêm a lume por veículo de comunicação social)”, explicou o relator.
A primeira grande conclusão do relator, considerada assim por ele, consistiu em ressaltar a primazia das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu. “Liberdades que não podem arredar pé ou sofrer antecipado controle nem mesmo por força do Direito-lei, compreensivo este das próprias emendas à Constituição, frise-se. Mais ainda, liberdades reforçadamente protegidas se exercitadas como atividade profissional ou habitualmente jornalística e como atuação de qualquer dos órgãos de comunicação social ou de imprensa”, salientou.
O ministro também concluiu não haver espaço constitucional para interferência do Estado em qualquer das matérias essencialmente de imprensa, com exceção do direito de resposta. Ayres Britto relembrou, ainda, que a atual Lei de Imprensa foi promulgada em período autoritário, em razão da ditadura militar. “E tal impossibilidade de conciliação, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical, destarte), contamina grande parte da Lei de Imprensa”, disse o ministro, ao ressaltar que, todo o capítulo constitucional sobre a comunicação social é um melhorado prolongamento dos preceitos fundamentais da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão em sentido amplo.
Dessa forma, o relator votou pela total procedência da ação, por entender que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. No entanto, mostrou-se preocupado com o capítulo 4 sobre o direito de resposta (artigos 29 ao 36) e o artigo 66, que trata da prisão especial para jornalista.
Apesar de entender que a lei devesse ser totalmente revogada, o ministro considerou que ela detalha de forma expressiva o direito de resposta. Ele informou aos demais ministros que poderá examinar a questão dispositivo por dispositivo, se for o caso.
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