Pular para o conteúdo principal

Essa sentença, que vai abaixo, entra no rol das "pérolas jurídicas"

Sentença extingue ação de cobrança sem julgamento do mérito

Uma ação de cobrança de cheque prescrito no valor de R$ 385,00, ajuizada na Juizado Especial Civel de Guarulhos, é extinta sem julgamento do mérito. A magistrada Vera Lúcia Caviño justifica que a pequena quantia, "se satisfeita, pouco ou nada crescentará ao patrimônio da parte requerente".

Confira abaixo o inteiro teor da sentença :
_____________________
M.A.P.Comércio de Pneus e Rodas Ltda Me

Réu: Leandro dos Santos Fialho

Vistos. Decido.

Trata-se de ação entre as partes acima nominadas, cujo objeto é a satisfação de obrigação, cujo montante não alcança valor equivalente a um salário mínimo. Devendo ser realizado pelo juízo, a qualquer tempo, o controle dos pressupostos processuais e condições da ação, entendo que o presente feito deve ser extinto, sem resolução do mérito, diante da ausência de interesse processual, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processual Civil.

É cediço que o interesse processual se materializa no binômio “necessidade” e “utilidade” do provimento jurisdicional almejado, sendo que o manejo do direito de ação somente está legitimado nos casos em que o exercício da jurisdição trouxer resultados práticos válidos e não atentar contra o princípio da eficiência, inserido no art. 37 da Constituição Federal. Nestes termos, é evidente que falece interesse ao credor para o ajuizamento de ação para cobrança de valor insignificante, que não compensa, sequer, suas despesas com transporte até a sede deste Juizado para registro do pedido inicial, para as audiências e cumprimento de atos que cabem à parte realizar. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que “as decisões que, em sede de execução fiscal, julgam extinto o processo, por ausência do interesse de agir, revelada pela insignificância ou pela pequena expressão econômica do valor da dívida ativa em cobrança, não transgridem os princípios da igualdade (CF, art. 5º, caput) e da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV)”. (RE 252965/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/Ac. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 29.09.00.).

Ora, é inaceitável que se defira tramitação, com todos os ônus financeiros daí decorrentes para a sociedade, à ação em que se pretende realizar pequena quantia que, se satisfeita, pouco ou nada acrescentará ao patrimônio da parte requerente. Não se pode olvidar também o tempo despendido pelos serventuários da justiça, juízes, advogados, oficiais de justiça, etc., que tem um custo muito superior do que o crédito irrisório que se pretende cobrar, e que é desviado para satisfação de créditos apequenados, verdadeiras manifestações de egoísmo da parte, em detrimento do julgamento de causas mais relevantes.

Convém lembrar que o legislador ordinário já foi sensível a isto, editando a Lei nº 9.469, de 10.07.97, que em seu art. 1º dispõe: “O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não propositura de ações e a não interposição de recursos, assim como requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para a cobrança de créditos, atualizados, de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), em que interessadas essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas condições aqui estabelecidas”.

Ora, se o próprio Estado, em questões que envolvem interesse social, renuncia ao direito de ação para cobrança de créditos com valor igual ou inferior a mil reais, não há porquê se admitir que particulares movimentem a máquina judiciária para satisfação de créditos de valores irrisórios, assim entendidos aqueles iguais ou inferiores a vinte por cento do salário mínimo, quando o credor é pessoa física, e iguais ou inferiores a um salário mínimo, quando o credor é microempresa. Justifica-se a diferenciação quantitativa entre o interesse processual da pessoa física e da microempresa, pois esta desenvolve atividade comercial ou industrial e, portanto, presume-se que seu titular terá maior prejuízo deixando suas atividades para participar das audiências e cumprir diligências que incumbem à parte, para andamento do processo, ou pagando preposto para representá-lo nos atos processuais, do que deixando de receber do devedor valor igual ou inferior ao salário mínimo. Em um Estado onde o orçamento do Poder Judiciário é reduzido, em que o pagamento da dívida externa exige pesados sacrifícios do povo, sobretudo da classe assalariada, onde a ordem é reduzir despesas a todo custo, até mesmo em detrimento de programas de cunho social, não se pode admitir que o aparelhamento judiciário seja utilizado para cobrança de valor ínfimo, quando se vislumbra, desde logo, que ainda que a cobrança surta resultado, o dispêndio realizado pela sociedade e pela própria parte requerente, em muito supera o valor que será aportado ao seu patrimônio, revelando, dessa forma, lesão aos princípios constitucionais da Razoabilidade e Eficiência. Neste contexto, não há como prosseguir com a presente ação, pois o seu custo financeiro e social é manifestamente superior à dívida que se pretende realizar.

ANTE O EXPOSTO, reconhecendo a ausência de interesse processual, JULGO EXTINTO o processo, sem resolução do mérito, nos termos no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Isenção de custas e de honorários advocatícios, nesta fase, nos termos do artigo 55 da Lei nº 9.099/95. Eventual recurso deverá ser interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, acompanhado das razões e do pedido do recorrente, que deverá efetuar, nas quarenta e oito seguintes à interposição, o preparo do recurso, consistente no pagamento de todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, na forma dos artigos 42, §1º e 54, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95. (despesas postais com citação e intimação; despesas de diligências dos Oficiais de Justiça; taxa judiciária equivalente a 3% do valor da causa ou do valor fixado na sentença exeqüenda, observado o valor mínimo de 10 UFESPs, na forma do artigo 2º, parágrafo único, III e IX, e artigo 4º I, II e §1º, da Lei Estadual nº 11.608/03, etc.), ficando, desde já, indeferidos os benefícios da assistência judiciária gratuita. Transitada em julgado, aguarde-se provocação do interessado por seis meses, inclusive quanto ao interesse de restituição dos documentos que juntou aos autos e, decorrido esse prazo, destruam-se os autos, após elaboração de ficha memória, na forma do item 21.1.1 do Provimento nº 806/03 do E. Conselho Superior da Magistratura. P.R.I.C.
Guarulhos, 23.03.09.
VERA LÚCIA CALVIÑO
JUÍZA DE DIREITO

Comentários

Unknown disse…
Um dos objetivos da jurisdição é a pacificação social. Agindo desta forma, a magistrada está instigando que se faça "justiça privada". Aliás, quem ela pensa que é para dizer se o valor X acrescenta ou não algo na vida do credor? O reclamante/credor deveria fazer uma representação contra ela.

Postagens mais visitadas deste blog

Diferenças entre as Pertenças e as Benfeitorias, frente ao Código Civil.

Matéria aparentemente pacificada no Direito Civil – PERTENÇAS – mas pouco consolidada em detalhes. Apuramos diversos autores, e vamos apresentar as características da pertinencialidade, para podermos diferenciar de um instituto muito próximo, chamado BENFEITORIAS. O Código Civil de 2020 define-a pelo Art. 93, verbis : “São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro”. Se pegarmos os códigos comparados que foram feitos após o NCC, os autores apontam que não há um paralelo com o CC/1916, mas Maria Helena Diniz informa que há sim, dizendo estar no art. 43, inciso III, que declara: “São bens imóveis: (...). Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade”. E a professora ainda diz que o artigo 93 faz prevalecer no Direito Civil atual, o instituto da acessão intelectual. Mas isso é para outro arti

Exame da OAB - 38 - Cabível recurso em questão de Processo do Trabalho, elaborada pela FGV

  No exame da OAB número 38, na Prova tipo 1 – branca – em processo do trabalho (pergunta 76), caiu esta questão (abaixo), da qual reputo haver duas respostas possíveis, o que geraria a anulação da questão objetiva. Vejamos: “Tomás teve o pedido de sua reclamação trabalhista julgado procedente em parte. Com o trânsito em julgado, adveio a fase executória e o juiz lhe conferiu prazo para apresentar os cálculos atualizados, o que foi feito. Desse cálculo, a executada foi intimada a se manifestar, mas quedou-se inerte. Em seguida, após ratificação pelo calculista da Vara, o juiz homologou o cálculo de Tomás e citou o executado para pagamento. O executado apresentou guia de depósito do valor homologado e, 5 dias após, ajuizou embargos à execução, questionando os cálculos homologados, entendendo que estavam majorados. Diante da situação retratada e da previsão da CLT, assinale a afirmativa correta. (A) Os embargos não serão apreciados porque intempestivos, já que o prazo é de 3 dias úte

A CLT E AS ENTIDADES RELIGIOSAS: NOVA LEI DEFINE QUE NÃO GERA VÍNCULO

  E alteraram a CLT, de novo... Saiu a Lei 14.647 que estabelece a não existência de vínculo de emprego entre “entidades religiosas ou instituições de ensino vocacional e seus ministros, membros ou quaisquer outros que a eles se equiparem”. Foram acrescentados parágrafos ao art. 442 da CLT. Eis o novo texto: “§ 2º Não existe vínculo empregatício entre entidades religiosas de qualquer denominação ou natureza ou instituições de ensino vocacional e ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem, ainda que se dediquem parcial ou integralmente a atividades ligadas à administração da entidade ou instituição a que estejam vinculados ou estejam em formação ou treinamento. § 3º O disposto no § 2º não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária”.    Os tipos de “trabalhadores” que a leis explicita são chamados de “ministros de confissão religios