Pular para o conteúdo principal

Caso interessante: A Polícia Federal deletou dados de investigação e o STJ anula provas (escuta telefônica) de ação penal

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou provas produzidas em interceptações telefônicas e telemáticas (e-mails) realizadas na operação Negócio da China.
Seguindo o voto da relatora, ministra Assusete Magalhães, os ministros consideraram que a conservação das provas é obrigação do estado e sua perda impede o exercício da ampla defesa.
A operação foi deflagrada em 2008, para investigar suspeitas de contrabando, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro pelo Grupo Casa & Vídeo. Foram denunciadas 14 pessoas, entre elas, os pacientes do habeas corpus analisado pela Sexta Turma.
Os ministros concederam o habeas corpus para anular as provas produzidas nas interceptações telemáticas e telefônicas. Determinaram ao juízo de primeiro grau que as retirasse integralmente do processo e que examinasse a existência de prova ilícita por derivação. Tudo deverá ser excluído da ação penal em trâmite.

Alegações

A defesa de dois dos envolvidos alegou nulidade das provas produzidas a partir das interceptações telemáticas, ante a inviolabilidade do sigilo das comunicações telegráficas e de dados, prevista no artigo 5º, XII, da Constituição Federal.
Sustentou que não teria sido demonstrada a indispensabilidade da medida de quebra de sigilo telefônico e telemático e que o único elemento de prova anterior a essa providência eram notícias jornalísticas e documentos societários das empresas supostamente envolvidas.
Mas o principal argumento foi a falta de acesso dos investigados às provas, devido ao desaparecimento do material obtido por meio da interceptação telemática e de parte dos áudios telefônicos interceptados. Segundo a defesa, os dados foram apagados pela PF, sem que os advogados, o Ministério Público ou o Judiciário os conhecessem ou exercessem qualquer controle ou fiscalização sobre eles.
A defesa apontou a inobservância do procedimento de incidente de inutilização de provas previsto no artigo 9º, parágrafo único, da Lei 9.296/96. Segundo ela, a eliminação dos dados só foi descoberta após insistentes pedidos à Justiça de acesso integral ao material interceptado.

Interceptação telemática

A ministra Assusete Magalhães destacou que a intimidade e a privacidade das pessoas não são direitos absolutos.
Havendo indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com pena de reclusão e a impossibilidade de produção de provas por outros meios, a jurisprudência admite a interceptação de comunicação não só por telefone, como também a telemática, que se refere à transmissão de dados.
“Não existindo pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, o STJ tem admitido a interceptação do fluxo das comunicações telemáticas”, frisou a ministra.

Inquérito

O inquérito policial foi instaurado em maio de 2006, por requisição do Ministério Público, a partir de reportagem publicada pela revista Exame, intitulada “O Misterioso Sucesso da Casa e Vídeo”.
Antes da decretação da quebra do sigilo telefônico, foram requisitados documentos na Junta Comercial do Rio de Janeiro e em cartório de registro de imóveis. Seguiu-se um minucioso relatório de inteligência policial. Somente em 2008 foi solicitada e deferida a quebra de sigilo, em decisão devidamente fundamentada, segundo analisou a relatora.
Para a ministra, está demonstrado no processo que a prova cabal do envolvimento dos investigados na suposta trama criminosa não poderia ser obtida por outros meios que não a interceptação de comunicações.

Preservação das provas

Apesar de considerar legal a quebra dos sigilos telefônico e telemático, a ministra Assusete Magalhães considerou ilegal a destruição do material obtido a partir das interceptações.
Os impetrantes do habeas corpus contestaram a ausência, no DVD entregue à defesa, da integralidade do áudio das escutas e do conteúdo dos e-mails interceptados, mencionados nos relatórios e na representação policial.
O próprio STJ havia assegurado a alguns dos réus o acesso integral aos autos do inquérito. No entanto, parte das provas obtidas a partir da interceptação telemática foi apagada, ainda na Polícia Federal, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua ordem.

Dados perdidos

A PF informou à Justiça que, ao contrário do que ocorre com a interceptação telefônica realizada por meio do programa Guardião, ela não dispõe de equipamentos ou programas voltados à interceptação de e-mails. Por tal motivo, essas informações seriam disponibilizadas e armazenadas diretamente pelos provedores de internet – no caso, a Embratel.
A Embratel, por sua vez, informou que, para cumprir a ordem judicial de interceptação de e-mails, encaminhou à PF diretamente as contas-espelho criadas para a operação, de forma que fossem visualizados pelos policiais. Informou também que não foram mantidas cópias das mensagens, uma vez que a determinação judicial era apenas para desviar qualquer tráfego de dados telemáticos para um e-mail determinado pela autoridade policial.
Assim, esclareceu a PF, o conteúdo monitorado na interceptação telemática obtida através da Embratel “foi irremediavelmente perdido, pois o computador utilizado durante a investigação precisou ser formatado”.
“Como se viu, o material obtido por meio da interceptação telemática, vinculado ao provedor Embratel, foi extraviado, ainda na Polícia Federal, impossibilitando, tanto à defesa quanto à acusação, o acesso ao seu conteúdo”, afirmou a ministra Assusete Magalhães.

Devido processo legal

Citando o princípio do devido processo legal, a ministra disse que as provas produzidas em interceptações não podem servir apenas aos interesses do órgão acusador e que é imprescindível a preservação de sua integralidade, sem a qual fica inviabilizado o exercício da ampla defesa.

Quanto às interceptações telefônicas, a relatora destacou que a jurisprudência do STJ considera desnecessária a transcrição integral do material interceptado. Contudo, é imprescindível que, pelo menos em meio digital, a prova seja fornecida à parte em sua integralidade, com todos os áudios do período, sem possibilidade de qualquer seleção de trechos pelos policiais executores da medida. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Diferenças entre as Pertenças e as Benfeitorias, frente ao Código Civil.

Matéria aparentemente pacificada no Direito Civil – PERTENÇAS – mas pouco consolidada em detalhes. Apuramos diversos autores, e vamos apresentar as características da pertinencialidade, para podermos diferenciar de um instituto muito próximo, chamado BENFEITORIAS. O Código Civil de 2020 define-a pelo Art. 93, verbis : “São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro”. Se pegarmos os códigos comparados que foram feitos após o NCC, os autores apontam que não há um paralelo com o CC/1916, mas Maria Helena Diniz informa que há sim, dizendo estar no art. 43, inciso III, que declara: “São bens imóveis: (...). Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade”. E a professora ainda diz que o artigo 93 faz prevalecer no Direito Civil atual, o instituto da acessão intelectual. Mas isso é para outro arti

Exame da OAB - 38 - Cabível recurso em questão de Processo do Trabalho, elaborada pela FGV

  No exame da OAB número 38, na Prova tipo 1 – branca – em processo do trabalho (pergunta 76), caiu esta questão (abaixo), da qual reputo haver duas respostas possíveis, o que geraria a anulação da questão objetiva. Vejamos: “Tomás teve o pedido de sua reclamação trabalhista julgado procedente em parte. Com o trânsito em julgado, adveio a fase executória e o juiz lhe conferiu prazo para apresentar os cálculos atualizados, o que foi feito. Desse cálculo, a executada foi intimada a se manifestar, mas quedou-se inerte. Em seguida, após ratificação pelo calculista da Vara, o juiz homologou o cálculo de Tomás e citou o executado para pagamento. O executado apresentou guia de depósito do valor homologado e, 5 dias após, ajuizou embargos à execução, questionando os cálculos homologados, entendendo que estavam majorados. Diante da situação retratada e da previsão da CLT, assinale a afirmativa correta. (A) Os embargos não serão apreciados porque intempestivos, já que o prazo é de 3 dias úte

A CLT E AS ENTIDADES RELIGIOSAS: NOVA LEI DEFINE QUE NÃO GERA VÍNCULO

  E alteraram a CLT, de novo... Saiu a Lei 14.647 que estabelece a não existência de vínculo de emprego entre “entidades religiosas ou instituições de ensino vocacional e seus ministros, membros ou quaisquer outros que a eles se equiparem”. Foram acrescentados parágrafos ao art. 442 da CLT. Eis o novo texto: “§ 2º Não existe vínculo empregatício entre entidades religiosas de qualquer denominação ou natureza ou instituições de ensino vocacional e ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem, ainda que se dediquem parcial ou integralmente a atividades ligadas à administração da entidade ou instituição a que estejam vinculados ou estejam em formação ou treinamento. § 3º O disposto no § 2º não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária”.    Os tipos de “trabalhadores” que a leis explicita são chamados de “ministros de confissão religios