No seguro de responsabilidade civil de veículos, se
não há demonstração de má-fé, o segurado mantém o direito de ser reembolsado
pela seguradora com o valor que despender para indenizar terceiro, caso não
haja prejuízo para a seguradora com a transação firmada sem a sua anuência.
O entendimento foi dado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) no julgamento de recurso especial da Allianz Seguros contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
No caso, o veículo de uma empresa de mineração e terraplanagem
envolveu-se em acidente com uma motocicleta, causando graves sequelas físicas
ao motociclista. A empresa de mineração havia firmado contrato de seguro para o
veículo, vigente à época dos fatos.
Após recusar R$ 13 mil oferecidos pela seguradora, o motociclista
ajuizou ação de indenização contra a empresa de mineração, pedindo mais de R$
1,5 milhão por danos morais, patrimoniais e estéticos.
Acordo
No curso da ação, foi homologada transação em que a mineradora se
comprometeu a pagar pouco mais de R$ 62 mil ao motociclista. Ao pedir o
reembolso do valor à seguradora, esta se negou a pagar, alegando não ter
aprovado o acordo judicial.
A empresa de mineração entrou com ação para receber da seguradora o
valor pago ao motociclista a título de indenização. A sentença condenou a
seguradora a pagar R$ 57 mil. Seguradora e empresa apelaram ao TJRS, que
reduziu o montante indenizatório.
No STJ, a seguradora alegou que, embora no seguro de responsabilidade
civil o segurador arque com o pagamento de perdas e danos ao terceiro
prejudicado, é vedado ao segurado, sem prévia e expressa anuência, reconhecer
sua responsabilidade, transigir ou indenizar diretamente o lesado, sob pena de
perda da garantia.
O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que o
segurado, nesse tipo de seguro, não pode, em princípio, “reconhecer sua
responsabilidade, transigir ou confessar judicial ou extrajudicialmente sua
culpa em favor do lesado, a menos que haja prévio e expresso consentimento do
ente segurador, pois caso contrário perderá o direito à garantia securitária,
ficando pessoalmente obrigado perante o terceiro, sem direito de reembolso do
que despender”.
Boa-fé
De acordo com o ministro, a finalidade da norma é “impedir que o
segurado retire o direito da seguradora de analisar tecnicamente os fatos e de
fazer a regulação do sinistro, haja vista que será dela o dispêndio econômico e
que poderá, inclusive, obter condições mais vantajosas de pagamento”.
Mas o ministro afirmou que a proibição do reconhecimento da
responsabilidade pelo segurado perante terceiro deve ser analisada segundo a
cláusula geral da boa-fé objetiva.
O relator explicou que a proibição existe para coibir posturas de má-fé,
ou seja, aquelas que lesionem interesse da seguradora, como “provocar a própria
revelia ou da seguradora, assumir indevidamente a responsabilidade pela prática
de atos que sabe não ter cometido, faltar com a verdade com o objetivo de
prejudicar a seguradora, entre outras que venham a afetar os deveres de
colaboração e lealdade recíprocos”.
O ministro afirmou que a melhor interpretação do parágrafo 2º do artigo
787 do Código Civil é que a confissão ou a transação não retiram do segurado de
boa-fé e que tenha agido com probidade o direito à indenização e ao reembolso,
sendo os atos “apenas ineficazes perante a seguradora”.
Desse modo, a perda da garantia securitária só se dará nas situações de
prejuízo efetivo ao ente segurador, “como em caso de fraude ou de ressarcimento
de valor exagerado ou indevido, resultantes de má-fé do próprio segurado”,
afirmou Villas Bôas Cueva.
Com essa argumentação, a Turma definiu que quando “não há demonstração
de que a transação feita pelo segurado e pela vítima do acidente de trânsito
foi abusiva, infundada ou desnecessária, mas, ao contrário, sendo evidente que
o sinistro de fato aconteceu e o acordo realizado foi em termos favoráveis
tanto ao segurado quanto à seguradora, não há razão para erigir a regra do
artigo 787, parágrafo 2º, do CC em direito absoluto a afastar o ressarcimento
do segurado”.
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