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Decisões de conhecimento pessoal do magistrado não podem ser consideradas “fato notório”

O Tribunal Superior do Trabalho, por meio de decisão da Primeira Turma, condenou uma empresa de segurança a pagar horas extraordinárias a um vigilante por entender não ser de conhecimento público a existência de norma coletiva permitindo o trabalho em regime de escalas de 2x1 e 12x36. A Estrela Azul Serviços de Vigilância, Segurança e Transportes de Valores Ltda. não juntou aos autos as convenções coletivas que alegou autorizarem a jornada.
 
Mesmo assim, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) havia considerado que as normas coletivas eram "fato notório", ou seja, que independe de prova. Com a decisão da Primeira Turma, foi reformado o acórdão do TRT-ES, que julgara improcedente o pedido do trabalhador, contratado pela Estrela Azul para prestar serviços ao Terminal de Vila Velha S.A. (TVV), porto de Capuaba, em Vila Velha (ES).
 
O vigilante alegou que, de setembro de 2003 a março de 2006, trabalhava dois dias consecutivos e folgava um dia, ou seja, na escala 2x1, e que, de abril a setembro de 2006, passou à escala de 12hx36h.  Ao pedir as horas extras, sustentou que sua jornada era das 6h30 às 19h, gozando apenas de 20/30 minutos para repouso e alimentação. A empregadora contestou o pedido, argumentando que o vigilante trabalhava no sistema de escalas, conforme autorizado pelas convenções coletivas aplicáveis.
 
A TVV, tomadora dos serviços, também contestou o autor da ação, afirmando que ele tinha uma hora para descanso e refeição, realizada no refeitório da própria TVV. As duas empresas, porém, não juntaram ao processo as convenções e os cartões de ponto para comprovar suas alegações. Na primeira instância, foi indeferido o pedido do trabalhador e, ao recorrer ao TRT, novamente o vigilante não teve êxito. Para o Regional, as escalas de trabalho de 2x1 e 12x36 são permitidas pela Constituição da República, desde que amparadas por norma coletiva.
 
Assim, apesar de as normas coletivas da categoria não terem sido juntadas aos autos, o relator no TRT observou que já havia julgado "diversos processos de vigilantes, sendo de conhecimento público e notório, nos termos do artigo 334, do Código de Processo Civil (CPC), a existência de norma coletiva autorizadora das jornadas 12x36 para os vigilantes", acrescentando que também havia acordo coletivo em relação à escala 2x1. Concluiu, então, que eram indevidas as horas extras, pois não foi ultrapassada a jornada diária de 12 horas estabelecida pelas normas coletivas.
 
TST
 
Ao examinar o recurso do trabalhador ao TST, o juiz convocado José Maria Quadros de Alencar destacou que houve má aplicação do artigo 334, I, do CPC. Segundo o magistrado, para um fato ser considerado juridicamente público e notório, "deve ser de conhecimento comum em certa comunidade e em determinado lapso temporal, não podendo, portanto, ser confundido com conhecimento pessoal".
 
O relator explicou que, "ainda que se pudesse considerar como notória a existência de instrumentos coletivos autorizadores das mais diversas espécies de regimes de escala, não pode ser considerado de cunho público e notório o fato de o juízo ordinário ter conhecimento, por intermédio dos julgamentos proferidos em demandas outras, a respeito da existência de norma coletiva específica". Dessa forma, ressaltou que a existência da norma coletiva deveria ter sido comprovada.
 
Diante da fundamentação do relator, a Primeira Turma proveu o recurso do trabalhador. Após desconsiderar, como fato notório, a existência de norma coletiva, determinou o pagamento ao vigilante das horas extraordinárias - excedentes à 44ª semanal - e repercussões.
 

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