A Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do
Tribunal Superior do Trabalho (SDI-1) manteve decisão que condenou a Singel
Engenharia Ltda e a Rio Grande Energia S/ A a indenizarem um trabalhador
de apenas 21 anos que, em decorrência de acidente de trânsito durante o
trabalho, teve de amputar uma perna. Por maioria, o colegiado seguiu o voto
divergente do ministro João Oreste Dalazen, presidente do TST, no sentido de
que o perigo envolvido nas condições de trabalho justificam a aplicação da
teoria da responsabilidade objetiva, prevista no artigo 927 do Código Civil.
O acidente ocorreu em dezembro
de 2002, quando o trabalhador, um oficial de eletricista contratado pela Singel
para prestar serviços à Rio Grande Energia, se deslocava para o trabalho. A
motocicleta que dirigia colidiu com uma camionete e sua perna direita, atingida
na batida, teve de ser amputada na altura do joelho. A Singel lhe pagava
aluguel pela motocicleta, de sua propriedade, por ser necessária à execução das
suas atividades – operações de corte e religação de energia elétrica em
unidades consumidoras de baixa tensão em diversas localidades da região das
Missões (RS).
A indenização por dano moral
foi deferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) e mantida
pela Oitava Turma do TST. A SDI-1 examinou embargos interpostos pela Singel
contra a condenação. Segundo a empresa, a atividade desenvolvida por ela não
seria de risco, e, por isso, sua responsabilidade quanto à indenização seria
subjetiva, ou seja, dependeria da comprovação da culpa ou dolo no acidente.
O relator, ministro Ives
Gandra Martins Filho, votou no sentido de acolher a argumentação da Singel e
dar provimento aos embargos. No seu entendimento, a responsabilidade objetiva
prevista no Código Civil exigiria que a atividade do autor do dano (no
caso, o empregador) fosse de risco, o que não era o caso. Além disso, o relator
assinalou que a atividade de motociclista não pode ser considerada de risco,
pois "não se coloca em perigo maior ou diferente daqueles a que estão
expostos os demais motoristas, em geral". Seu voto, portanto, absolvia a
empresa da indenização.
Divergência
Ao trazer o processo a
julgamento, em retorno de vista regimental, o ministro Dalazen divergiu do
relator nos dois pontos de sua fundamentação. Em primeiro lugar, destacou que,
de acordo com diversas estatísticas, os motociclistas estão muito mais expostos
ao risco do que os demais motoristas: 27% dos acidentes de moto são fatais aos
condutores, contra 13% dos carros e 4% dos caminhões.
Com relação à responsabilidade
objetiva, o presidente do TST assinalou que, uma vez que a norma alude à
natureza da atividade desenvolvida pela empresa, seria necessário questionar se
a prestação de serviço que implique a utilização de motocicleta pelo empregado
constituiria atividade de risco. Ele observou que, conforme o TRT4, embora o
veículo fosse do próprio oficial eletricista, a Singel pagava por seu uso, por
se tratar de modalidade de deslocamento que era "da inteira conveniência
das empresas, já que apresenta menor custo e maior rapidez na prestação dos
serviços".
Numa breve contextualização
histórica, Dalazen lembrou que a teoria da responsabilidade objetiva
"deita profundas raízes nos acidentes de trabalho e nas condições
especialíssimas norteadoras da relação de emprego, sofrendo grande influência
do princípio protetivo tão caro do Direito do Trabalho – a rigor, sua viga
mestra". No seu entendimento, o conceito de atividade de risco não se
avalia necessariamente com base na atividade empresarial em si, mas também em
função do ofício executado em condições perigosas, expondo o empregado a risco
acima do normal. "A vítima, e não o autor mediato ou imediato do dano,
constitui a essência da norma", afirmou.
Teoria do risco
Em seu voto, o ministro
defendeu a tese de que o conceito de "atividade" do parágrafo único
do artigo 927 do Código Civil, transposto da esfera civilista para a
trabalhista, permite concluir que a atividade preponderante da empresa não
define, necessariamente, o potencial ofensivo da condição de trabalho de todos
os seus empregados. Como exemplo, observou que uma empresa que explore serviços
e instalações nucleares, de risco indiscutível, pode ter em seu quadro trabalhadores
burocráticos, sem relação direta com a finalidade do empreendimento.
"Nesse caso hipotético, definitivamente não é a atividade empresarial que
vai atrair a responsabilidade objetiva do empregador, mas o ofício do
empregado", ressaltou.
Da mesma forma, assinalou que
"há situações em que, embora a atividade da empresa não seja de risco, a
dinâmica de alguns ofícios submete os empregados a condições de perigo
desproporcional" – como numa usina de cana-de-açúcar, que, embora em si
não contenha elemento de risco, submete os trabalhadores braçais a rotinas
desgastantes e perigosas, devido ao manejo de facões e foices a céu aberto,
No caso do motociclista, o
ministro lembrou que seu trabalho exigia transitar de motocicleta entre
diversos municípios para atender com rapidez as demandas da tomadora de
serviços, e a utilização do veículo era imprescindível à execução do contrato
de prestação de serviços. Além disso, a Singel recebia da Rio Grande Energia
por corte ou religação, inferindo-se daí a pressão psicológica sofrida pelo
empregado. "O resultado mais rápido das operações de religação de energia
insere-se no ciclo produtivo empresarial de forma relevante", ressaltou
Dalazen. "Logo, mesmo se apreciada a controvérsia à luz da atividade do autor
do dano, penso que a empregadora, embora não tenha provocado diretamente o
acidente, figurou como autora mediata do dano sofrido pelo trabalhador",
concluiu, negando provimento ao recurso.
O voto do presidente do TST
foi seguido pela maioria dos integrantes da SDI-1, ficando vencidos os
ministros Ives Gandra Martins Filho (relator) e Brito Pereira.
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