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Veja um texto do advogado Charles Parchen, cujo título é "Teletubbies do Direito"


"Ainda no primeiro período da faculdade, isso em 1999, tive a oportunidade de participar de um congresso internacional de direito que se realizou em Curitiba.

O destaque do evento foi a palestra ministrada pelo excelente Desembargador gaúcho Amilton Bueno de Carvalho, ferrenho defensor da corrente do Direito Alternativo.

Lembro até hoje das palavras proferidas naquela palestra. O Desembargador utilizou uma interessante analogia para expor uma realidade que assola não só o exercício da advocacia, mas também o da Magistratura.

Aos dizeres daquele palestrante, "todos somos Teletubbies do direito". A frase, que em princípio arrancou gargalhadas da platéia, se mostrou preocupante e plenamente verdadeira após uma explicação: para ele, hoje, assim como os personagens da TV, nos limitamos a repetir e copiar tudo o que os outros fazem, o que acarreta uma completa "imbecilização" da atividade jurídica, que se resume à repetir, copiar, repetir, copiar...

Em outras palavras, seria o fenômeno da mercantilização da advocacia e da Magistratura e o da priorização das metas de produção, em detrimento à subjetividade da profissão e da qualidade advinda da atividade intelectual que sempre foi inerente à concepção do Direito. Para ele, cada vez mais os profissionais estão se tornando meros repetidores do trabalho alheio, num circulo vicioso de total ausência de produção intelectual e de inovação de teses.

Hodiernamente, vemos que o próprio Poder Judiciário, outrora desprovido de metas de qualidade e excelência, começou a ser seriamente pressionado após a criação do controverso CNJ. Ao meu entender, tal Conselho procura cada vez mais introduzir - erroneamente - no Judiciário, o conceito de "empresa", que sabidamente está ligado ao atingimento das metas cada vez maiores de produção e eficiência.

As Câmaras dos Tribunais são cada vez mais especializadas. Os Desembargadores atuam há tempos em uma mesma matéria, sem sequer ter contato com outras. A repetição é constante, o que se denota pelos despachos e decisões, todos padronizados. De igual modo, no primeiro grau, a criação de varas especializadas é algo cada vez mais notada pelos profissionais do Direito.

Porém, tal mudança de comportamento vem causando uma série de aberrações jurídicas. São proferidos despachos malucos, sentenças impossíveis, sem falar, é claro, de erros judiciários. Tudo em nome da produção em massa.

Ao mesmo tempo, o mercado de trabalho e o conceito atual de advocacia de volume não permitem mais que haja tempo para a pesquisa e desenvolvimento de novos pensamentos. Ainda, o atual estágio da profissão quase extinguiu o "profissional genérico", aquele que sabia de tudo um pouco. Certo é que a especialização é fenômeno necessário e sem volta, contudo, o efeito maléfico das duas - advocacia de massa e da especialização - é a produção de profissionais "em série", o que é um contrasenso no universo da advocacia e da Magistratura, atividades claramente incompatíveis com esta prática.

Massificados, estes profissionais sabem cada vez mais de pouca coisa e cada vez menos do restante. É o refinamento exagerado do saber, onde há a perda do caráter liberal do estudo, numa completa ruína do espírito acadêmico. O resultado se traduz em situações cotidianas, como a qual tive a oportunidade de presenciar, onde um colega, indagado por um parente sobre uma questão de divisão de terreno entre irmãos, preferiu dizer à pessoa que iria indicar ela a um colega do que aceitar aquela causa, isso porque não entendia nada de direito imobiliário e com isso, tinha "medo" de fazer uma besteira.

Meros repetidores ou profissionais especializados demais esquecem, desde o básico, o que aprenderam na faculdade; e tal qual "teletubbies do direito", em uma completa imbecilização de seus conhecimentos, simplesmente deixam de se interessar ou atuar em outros seguimentos ou áreas porque simplesmente não sabem lidar com determinada matéria ou desconhecem a mesma.

Especializar-se é preciso, contudo, sem esquecer de se interessar e de se aperfeiçoar, jamais."

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