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Função de diretor presidente de empresa é incompatível com a condição jurídica de empregado

A 1ª turma do TRT da 2ª região, por unanimidade, manteve sentença da juíza do Trabalho Diana Marcondes Cesar Kambourakis, da 2ª vara de Mauá/SP, que ao julgar reclamação trabalhista entendeu que uma vez que o reclamante passou a ser sócio quotista da empresa, sendo promovido a diretor presidente, não configurava empregado da reclamada.

A desembargadora Beatriz de Lima Pereira, relatora, concluiu que as provas nos autos "sinalizam a prevalência da condição societária do demandante em detrimento da condição empregatícia, o que deve nortear a composição do conflito, como leciona a doutrina e recomenda a jurisprudência."

O caso foi conduzido pelo dr. Nicolau Olivieri, do escritório Bosisio Advogados.

Processo : 0170600-10.2010.5.02.0362
__________

PROCESSO TRT/SP N. 0170600-10.2010.5.02.0362

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: A.C.

RECORRIDA: CHEVRON ONORITE BRASIL LTDA.

ORIGEM: 2ª VARA DO TRABALHO DE MAUÁ

Inconformado com a r. decisão de fl. 266/268, que julgou a pretensão inicial improcedente, recorre o demandante, ordinariamente, arguindo preliminarmente a nulidade da sentença por cerceamento de defesa insurgindo-se contra o reconhecimento da suspensão do contrato de trabalho.

Custas processuais às fl. 288.

Contrarrazões às fl. 290/301.

Não há pronunciamento do Ministério Público do Trabalho, conforme estabelecido na Portaria n. 03, de 27.01.05, da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Do cerceamento de defesa

Pretende o demandante a nulidade da sentença proferida em razão da Origem ter considerado fato relatado por um servidor, que lhe é prejudicial, sem sua oitiva a respeito.

À análise.

De acordo com a certidão de fl. 265, o servidor Jorge Alberto Nunes da Silva, imediatamente após a realização da audiência de instrução (fl. 263/264), certificou nos autos ter presenciado, no saguão do Fórum, o reclamante entregando R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) à sua testemunha. De fato, a Origem desta certidão não deu ciência às partes e no julgamento proferido assentou que desconsiderava o depoimento da referida testemunha tendo em vista o que fora certificado (fl. 267).

Nesse contexto, o cerceamento de defesa resta patente, pois conquanto o fato presenciado pelo servidor e não negado pela parte posteriormente, a entrega de importância em dinheiro à testemunha, possa ser indiciário de procedimento irregular, em observância aos princípios constitucionais do amplo direito de defesa e do devido processo legal, às partes deveria ser assegurado o direito de manifestação.

Entretanto, não se mostra necessária a declaração de nulidade da sentença, pois o prejuízo causado à parte foi a desconsideração do depoimento da testemunha, o que pode ser revisto por esta instância recursal. Além disso, o demandante, nas razões recursais, teve a oportunidade de esclarecer o motivo da entrega de numerário à testemunha após a realização da audiência.

Desta forma, reconheço o cerceamento de defesa, mas rejeito a pretensão de nulidade da sentença.

Da suspensão do contrato de trabalho

O demandante, na inicial, relatou que manteve contrato de trabalho com a demandada no período de 01.12.1980 a 01.06.2010, sendo certo que fora contratado na função de assistente de crédito e cobrança e por último exercera o cargo de presidente nacional da empresa. Pleiteou o pagamento de títulos trabalhistas que sustenta não honrados pela demandada no período citado.

A demandada, em defesa, aduziu que a partir de 01.04.2000 e até a rescisão contratual o demandante tornouse sócio-quotista da empresa e assumiu o cargo de Diretor Presidente no Brasil, havendo, por isso, a suspensão de seu contrato de trabalho, aplicando-se o entendimento consagrado pela Súmula 269 do Tribunal Superior do Trabalho que vislumbra na hipótese a suspensão do contrato de trabalho.

A Origem acolheu a tese defensiva, contra o que se insurge o demandante, aduzindo que o fato de ter assumido a condição de diretor presidente não alterou sua condição de empregado, permanecendo subordinado à matriz da empresa nos Estados Unidos, recebendo ordens do Sr. James Kersey. Observou que os gerentes comercial e de recursos humanos não se subordinavam a ele, mas sim ao responsável pela empresa nos Estados Unidos.

Destacou que não tinha autonomia para determinar a alteração das políticas da empresa no Brasil.

Contudo, não se assiste de razão.

Com efeito, nem mesmo a insuspeita testemunha do demandante confirma os argumentos do recurso. De acordo com ela “...que pelo fato do autor ser presidente, necessitava de segurança especial; que o reclamante tinha carro blindado e sistema de segurança em sua residência (...) que conhece Ivone Beloto, gerente financeira e de RH; que a Sra. Ivone era subordinada ao reclamante de forma direta, sendo também diretamente subordinada aos EUA (...) que era o próprio autor quem decidia o gozo de suas férias, respeitada a necessidade de sua agenda; que o RH não impunha ao autor o período de gozo das férias.” (fl. 263-v).

Portanto, o referido depoimento não confirma a tese de subordinação. Ao contrário.

Do mesmo modo, o depoimento da testemunha da empresa não corrobora os argumentos do recurso, pois em nenhum momento revela a existência de subordinação do demandante à testemunha. Vejamos.

“...que o depoente não fiscalizava diretamente o trabalho do autor; que normalmente o reclamante levava ao depoente decisões já tomadas (...) que o reclamante tem poderes para formular recomendação de seus próprios benefícios e solicitar a aprovação dos EUA (...) que o reclamante tinha orçamento anual para gerir a unidade da reclamada; que ao que se recorda, o orçamento gira em torno de R$ 60/70 milhões; que o reclamante era responsável pela política de benefícios dos empregados brasileiros; que os benefícios variavam entre Brasil e EUA...” (fl. 264).

Além disso, os documentos juntados aos autos confirmam a tese da defesa. No de fl. 45, juntado com a inicial, o demandante figura, na matéria jornalística, como Presidente da empresa noticiando a decisão de não encerramento das atividades no Brasil. O documento n. 13, do volume apartado, por sua vez, comprova que lhe incumbiu a aprovação dos critérios e procedimentos para a utilização de veículos por empregados da empresa.

Portanto, os elementos de prova existentes nos autos com clareza sinalizam a prevalência da condição societária do demandante em detrimento da condição empregatícia, o que deve nortear a composição do conflito, como leciona a doutrina e recomenda a jurisprudência.

“Entre essas duas situações polares analisadas é que surge a zona cinzenta em que atua a regra geral de efetiva compatibilidade entre as figuras do sócio e do empregado. Como critério amplo de análise – e na maioria dos casos – sabe-se que as duas figuras podem estar presentes na mesma pessoa física, não havendo contradição entre elas.

Contudo, em situações concretas postas a exame, pode-se perceber uma real prevalência da affectio societatis – que não se realiza sem autonomia -, comprometendo a relação de emprego entre o sócio e a pessoa jurídica. Desse modo, em tais situações, apenas da análise concreta desses elementos (affectio societatis, com autonomia, versus subordinação) é que surgirá o preciso enquadramento classificatório do prestador do trabalho no contexto dos padrões normativos díspares existentes (padrão societário ou padrão justrabalhista).” In “Curso de Direito do Trabalho”, Maurício Godinho Delgado, página 345, 8ª edição, LTr Editora.

Na mesma direção é o postulado da Súmula n. 269 do Tribunal Superior do Trabalho.

É por essas razões que mantenho a decisão proferida que considerou suspenso o contrato de trabalho no período de 01.04.2000 a 01.06.2010 e, em decorrência, julgou improcedente a reclamação trabalhista.

Dos honorários advocatícios

Tendo em vista a manutenção da improcedência da ação, prejudicado o exame do título, vez que não há se cogitar de sucumbência.

Pelo exposto,

ACORDAM os Magistrados da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: REJEITAR a preliminar de nulidade do julgado aduzida no recurso ordinário do demandante e, no restante, NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo-se íntegra a decisão da Origem.

BEATRIZ DE LIMA PEREIRA

Relatora
Fonte: migalhas

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