Pular para o conteúdo principal

RECIVILIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

A origem da legislação social brasileira se situa no Direito Civil. Muito lentamente, no século passado, foram sendo criadas leis de cunho trabalhista, até que foi realizada a consolidação de todas as leis esparsas no que se chamou de CLT, em 1943.

Com isso, houve a separação dos institutos, de um lado o Direito do Trabalho, e de outro o Direito Civil. Ambos de natura jurídica privada, mas com princípios próprios. O Código Civil teve natureza individualista, enquanto a CLT, social.

Após a Constituição Federal de 1988, houve uma necessária modificação no Direito Civil, tanto que o Código de 2002 foi construído sobre um tripé: eticidade (boa-fé); socialidade (função social) e operabilidade (facilidade de interpretação e implantação de cláusulas gerais).

Com isso, nasceram teses, como da repersonalização do Direito Civil, onde se valoriza mais o ser humano, a pessoa natural, em detrimento dos bens, das obrigações, do patrimônio. Há, portanto, uma melhora significativa do Direito Civil, rumo aos ditames do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da CF/88.

Em oposição, o Direito do Trabalho vem regredindo. Está voltando às suas origens, isto é, ao regramento da codificação civil do século XIX e meados do século passado, ou seja, à valorização do patrimônio, do capital, da empresa, do negócio jurídico, comparando com o trabalhador, pessoa natural.

Daremos o nome a este efeito de “Recivilização do Direito do Trabalho”, uma vez que após a Reforma Trabalhista de 2017 - e todas as modificações posteriores na CLT - foi sendo conferido uma prevalência do negociado sobre o legislado (art. 611-A, CLT); imposição de regras civis aos julgamentos trabalhistas (art. 8º, §3º, CLT); dispensa em massa sem negociação sindical (art. 477-A, CLT); extinção do Ministério do Trabalho, colocando suas atribuições ao Ministério da Economia (Lei 13.844/19); flexibilização da anotação de jornada de trabalho (§4º, art. 74, CLT); tarifação do dano extrapatrimonial (art. 223-G, CLT), limitação dos grupos econômicos (art. 2º, §§2º e 3º, CLT);  nascimento do trabalhador hiperssuficiente (Parágrafo único do art. 444, CLT); regulamentação das antigas ações simuladas ( as malfadadas casadinhas, conforme art. 855-B, CLT), para ficar em alguns exemplos.

A expressão “recivilização” é copiada da expressão “renascimento”, que foi utilizado na época pós-medieva, para significar que o conhecimento estava nascendo de novo, aos momentos gloriosos da filosofia grega, abandonando assim a filosofia medieval. Em que pese o renascimento tenha sido bom para a filosofia moderna e contemporânea, não temos a mesma certeza com a “recivilização” ser interessante ao Direito do Trabalho, ainda mais que se está retirando o foco do trabalhador, e colocando um olhar mais especial ao negócio jurídico, que tem uma genealogia que não se importa com os princípios trabalhistas.

Kant, com sua teoria copernicana, que fundamenta filosoficamente o inciso III, do artigo 1º, da Constituição Federal de 1988, deve estar se revirando no túmulo... 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Diferenças entre as Pertenças e as Benfeitorias, frente ao Código Civil.

Matéria aparentemente pacificada no Direito Civil – PERTENÇAS – mas pouco consolidada em detalhes. Apuramos diversos autores, e vamos apresentar as características da pertinencialidade, para podermos diferenciar de um instituto muito próximo, chamado BENFEITORIAS. O Código Civil de 2020 define-a pelo Art. 93, verbis : “São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro”. Se pegarmos os códigos comparados que foram feitos após o NCC, os autores apontam que não há um paralelo com o CC/1916, mas Maria Helena Diniz informa que há sim, dizendo estar no art. 43, inciso III, que declara: “São bens imóveis: (...). Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade”. E a professora ainda diz que o artigo 93 faz prevalecer no Direito Civil atual, o instituto da acessão intelectual. Mas isso é para outro arti

Cuidados em uma conciliação trabalhista (CNJ)

O CNJ – Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 586/2024, mostrou que os acordos trabalhistas durante o ano de 2023 tiveram, em média, valores superiores a 40 salários-mínimos. Saindo dessa “fofoca” boa, a citada Resolução trata dos acordos homologados em face dos arts. 855-B a 855-E da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho (que trata do Processo de Jurisdição Voluntária para Homologação de Acordo Extrajudicial). E ficou resolvido o seguinte: “Os acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho terão efeito de quitação ampla, geral e irrevogável, nos termos da legislação em vigor, sempre que observadas as seguintes condições: I – previsão expressa do efeito de quitação ampla, geral e irrevogável no acordo homologado; II – assistência das partes por advogado(s) devidamente constituído(s) ou sindicato, vedada a constituição de advogado comum; III – assistência pelos pais, curadores ou tutores legais, em se tratando de trabalhador(a) menor de 16 anos ou

Novidades sobre o foro de eleição em contratos, trazidas pela Lei 14.879, de ontem (4 de junho de 2024)

O Código Civil, quando trata do foro de eleição, explica, no artigo 78, que “nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”. Acerca deste tema, ontem houve uma alteração no Código de Processo Civil, em especial no artigo 63, sobre a competência em razão do lugar, para se ajuizar as ações em que existem o domicílio de eleição. Alterou-se o § 1º e acrescentou-se um §5º. Vejamos como era e como ficou: “Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações. § 1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. § 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das pa