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BENS CONSUMÍVEIS DE DIREITO E SUAS LIMITAÇÕES IMPOSTAS PELA TEORIA DO PATRIMÔNIO MÍNIMO


Conhecer o que seja patrimônio demanda saber como era e como ficou o Código Civil, com relação a este tema, após 2002. A antiga redação, de 1916, determinava (art. 57) que “o patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou universalidade, e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais”. Com o novo Código Civil, no art. 91, estabeleceu-se que “constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”.

Com efeito, segundo Sílvio Rodrigues, em livro pós Novo Código Civil, mas ainda com o pensamento no de 1916, dizia que “o patrimônio é formado pelo conjunto de relações ativas e passivas, e esse vínculo entre os direitos e as obrigações do titular, constituído por força de lei, infunde ao patrimônio o caráter de universalidade de direito”.

Na mesma linha, J.M. de Carvalho Santos explicava: “O patrimônio é um complexo de relações jurídicas, ficou dito, mas é preciso acrescentar que não são todas as relações jurídicas que constituem o patrimônio da pessoa. Quais sejam elas percebe-se na definição de CLÓVIS: patrimônio é o complexo das relações jurídicas que tiverem valor econômico para uma pessoa”.

Pontes de Miranda, analisando o art. 57 do CC/16 – nos informa Nelson Nery – “compara a esfera jurídica do sujeito como sendo a sombra que a pessoa lança sobre os bens da vida:  é a sua esfera jurídica, como continente, na qual se há de alojar os bens e talvez ainda não se aloje nenhum bem exceto o que é ligado à personalidade mesma e não entra na definição de patrimônio”.

E Nery Jr, autor contemporâneo, tenta alterar estas doutrinas clássicas, afirmando: “Com isso, se prefere agora o uso da expressão patrimônio com um sentido que engloba tudo aquilo que é susceptível de se tornar “objeto de direito”, considerando como “bens” tudo quanto possa ser desejado e cobiçado pela pessoa natural e protegido e tutelado pelo direito, com as peculiaridades de suas funcionalidades próprias, para a pacificação das pretensões jurídicas e afastamento das pretensões despropositadas, quer se trate de coisas materiais, quer se trate de coisas imateriais, quer componham o lote dos bens economicamente valorados, quer componham aquilo que, em linguagem comum, se usa para explicitar como patrimônio moral de alguém”.

Deste modo, amplia-se a ideia de patrimônio para acrescentar bens materiais e imateriais em seu contexto, dentro da sua sombra, de seu continente.

Outra ideia nova que surgiu foi a do patrimônio mínimo, muito defendida pelo Ministro Fachin, do STF, onde se ordena uma valorização do mínimo vital que toda pessoa deve ter, apontando um novo paradigma no Direito Civil, que é a dignidade da pessoa humana, e, nesse ponto de intersecção, fica posto que os direitos da personalidade e os direitos patrimoniais estão no mesmo plano. Em um breve resumo sobre o que vem a ser o patrimônio mínimo, esta tese se resume pela ideia de que “deve-se assegurar à pessoa um mínimo de direitos patrimoniais, para que viva com dignidade”.

Este tema – do patrimônio – ganhou relevo recentemente por conta de alterações de 2019 sobre o Código Civil, elaboradas pela Lei 13.874, que acrescentou o artigo 49-A (separação de patrimônio entre empresa e sócios), bem como do §7º ao artigo 980-A, verbis: “Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude”. (grifei)

Esta explicação sobre o patrimônio se necessitou para chegarmos ao cerne da questão, ou seja, sobre os bens, em especial os consumíveis e inconsumíveis.

O art. 86 do CC trata do tema, sendo que há dois tipos de bens consumíveis: a) Se o consumo do bem móveis implicar destruição imediata, a consuntibilidade é física, ou de fato ou, ainda, fática, natural ou materialmente, como ocorre, por exemplo, com gasolina; b) Se o bem pode ser ou não objeto de consumo, ou seja, se pode ser alienado (do comércio), a consuntibilidade é chamada de jurídica ou de direito. Como exemplo, as mercadorias de uma loja de construção.

Eis o artigo 86, CC: “São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.

A parte final do artigo 86 aponta para os bens que se destinam à venda, ao uso sem consumo. Estes bens, um tijolo, telha, portas, janelas, pisos, são consumíveis não no aspecto físico - corpóreo do bem - mas, com a possibilidade de sua alienação, da transferência de propriedade.

O estudo dos bens consumíveis e inconsumíveis é importante, por exemplo, quando estamos diante do instituto denominado usufruto. O bem dado em usufruto abrange os acessórios? Se os acessórios forem consumíveis, tenho que devolver também? A resposta está no Art. 1.392 do CC, que assim determina:
“Salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos.
§ 1º Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição”.

Mas, voltando à alienação, à transferência de bens do patrimônio de alguém a outrem, previsto na parte final do artigo 89, CC, quando trata dos bens consumíveis de direito, verificamos que ao interpor a teoria do “patrimônio mínimo”, veremos que nem tudo pode ser alienado.

Haverão bens disponíveis e indisponíveis, portanto.

Afirma-se, dessa maneira, que há limites nos bens consumíveis jurídicos, também chamado de direito. E o limite será imposto pelas necessidades mínimas das pessoas, aí incluídas tanto as pessoas jurídicas, como as naturais.

Nem todo bem consumível de direito pode ser alienado. Só aqueles extrapatrimoniais mínimos.

A aplicabilidade e uso da tese do patrimônio mínimo é frequente nas questões de bem de família. O civilista Christiano Cassettari relata que na sessão do dia 12/6/2018, a 1ª Turma do STF, no RE 605.709, decidiu “pela impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial”. Possível essa interpretação, até por conta das recentes alterações do Código Civil, como acima demonstrado, finalizando este texto com a principal inovação, constante no inciso V, do §1º, do Art. 113 do CC, que determinou:
“Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
§ 1º  A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:
......................................
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração”. (grifei)

Ora, a “racionalidade econômica das partes” foi a pedra de toque nesta alteração do ano passado, em que passou o Código Civil, para reafirmar o acerto da teoria do patrimônio mínimo e seus efeitos limitadores no bens consumíveis de direito, de que trata a parte final do art. 86 do Código Civil.

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