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Um reflexo inesperado para o empregado hiperssuficiente: clawback clauses

As Clawback Clauses (ou Clawback Provisions) são ligadas aos altos empregados, também chamados de hiperssuficientes, que estejam em cargos de direção na empresa empregadora.

Normalmente, no contrato de emprego destes trabalhadores consta a inclusão de bônus (podem ser ações da empresa) entregues de forma antecipada, para incentivar o empregado a prestar um serviço excelente, que busque os resultados pretendidos pela contratante.

Todavia, estes acréscimos pecuniários poderão ser perdidos, devolvidos ao empregador, se aquele fez uma negociação errada, fazendo com que o contratante não obtenha os lucros previstos.

Existe até a possibilidade de restituir os bônus se este alto empregado sair da empresa, e ir para o concorrente, o que também gera prejuízos ao empregador.

Mas, quem é este trabalhador hiperssuficiente? Ele apareceu na Reforma Trabalhista de 2017, no parágrafo único do artigo 444 da CLT, abaixo descrito:

“Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Parágrafo único.  A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”.                     (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Algumas dúvidas na doutrina e na jurisprudência, sobre a devolução dos bônus, ou seja, a estipulação da clawback clauses - se poderia ou não ser realizada a restituição - haja vista que feriria o princípio da intangibilidade salarial.

Temos, inclusive, uma Convenção Internacional ratificada pelo Brasil, de número 95, da OIT – Organização internacional do Trabalho, que proíbe descontos nos salários, salvo se a lei permitir.

E no Brasil, conforme artigo 462 da CLT, não existe esta possibilidade:

“Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo”.

Assim, entregue o bônus no início do contrato, impossível retomá-lo, pois a lei trabalhista e a norma internacional, não trazem esta hipótese favorável ao empregador.

O TST até já permitiu a devolução, mas em um caso em que o empregado não respeitou uma carência contratual – isto é – ficar um período de tempo vinculado à empresa, para daí então conquistar o direito adquirido total ao bônus de incentivo (ARR-2843-80.2011.5.02.0030, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 18/11/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/11/2015).

Porém, não é o caso aqui analisado, pois estamos diante de uma penalidade ao trabalhador se ele não conseguir atingir as metas estipuladas, ou trocou o empregador pelo concorrente. E seria um desconto na verba entregue pelo empregador ao empregado, em razão do emprego.

Teria algum problema em discutir se o bônus tenha natureza salarial ou não?

Até havia antes da reforma, onde se dizia que se fosse de natureza indenizatória, poderia devolver sim, mas se fosse uma verba de natureza salarial, não, em razão da CLT, artigo 462.

Mas agora, com o surgimento do hiperssuficiente, não há mais que se preocupar com esta situação de discriminar se a verba é salarial ou não, pois ele pode fazer um contrato individual com o empregador, “passando por cima” da Lei e de Normas Coletivas.

Com efeito, o parágrafo único, do artigo 444, da CLT, esclarece que o hiperssuficiente (aquele que possui diploma de nível superior, e recebe 2 vezes o teto do INSS) é livre para criar cláusulas contratuais que preponderam sobre instrumentos coletivos, bem como a negociação irá sobrepor a legislação, conforme dispõe o art. 611-A da CLT.

E a CLT, neste artigo 611-A estipula, nos incisos IX e XIV, o seguinte:

“Art. 611-A.  A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:                

IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo”.     

Desse modo, pode o empregado hiperssuficiente estabelecer cláusula de “clawback provision” com o empregador, com perda dos bônus adquiridos por incentivo, se seu desempenho for baixo, e/ou for trabalhar em empresa concorrente, independente da natureza da verba ser salarial ou não.

Importante observar que o trabalhador deve estipular de que forma será a cláusula de não concorrência, isto é, qual será a “quarentena” para evitar a devolução do bônus; bem como deixar claro o indicador de desempenho pretendido pela empresa (crescimento de tantos por cento em vendas, por exemplo), para fins de não deixar na mão da empresa um direito de alteração contratual puramente potestativo, proibido pelo Código Civil, como se verifica do artigo 122, in fine:

“Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.

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