Pular para o conteúdo principal

Simulação de Casamento e/ou União Estável, na ótica do Direito Civil, frente à legislação previdenciária, para fins de pensão por morte

Em 2015, alterou-se a legislação previdenciária para constar no artigo 74 da Lei 8.213/91, que uma simulação de casamento ou união estável, não iria gerar futura pensão por morte. Vejamos o texto: § 2º "Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa".
Pois bem. Sobre este assunto - simulação - o Código Civil trata do tema no artigo 167, sendo esta uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do indicado, isto é, do que está descrito. Não é um defeito da vontade, mas do negócio jurídico entabulado.
Referido Codex ainda estipula que o efeito é de nulidade do negócio jurídico (casamento ou união estável), não admitindo confirmação (art. 169 Código Civil), com efeitos ex tunc, e imprescritível.
RIZZARDO esclarece as características e requisitos da Simulação, apontando as seguintes: a) "é declaração bilateral da vontade, tratada com a outra parte, ou com a pessoa a quem ela se destina"; b) "não corresponde à intenção das partes, as quais disfarçam seu pensamento"; c) "é feita no sentido de iludir terceiros". (in Introdução ao Direito e Parte Geral do Código Civil. 8a ed. Forense, 2015, pág. 639).
Todavia, o artigo 167 acima referido ainda trata do negócio jurídico simulado e dissimulado, haja vista que sua redação é a seguinte: "É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma". Daí, portanto, há uma possibilidade de subsistência da avença. Vejamos o que diz CAIO MÁRIO sobre este assunto:
"Pode a simulação ser absoluta ou relativa. Será absoluta quando o negócio encerra confissão, declaração, condição ou cláusula não verdadeira, realizando-se para não ter qualquer eficácia. Diz-se aqui absoluta, porque há uma declaração de vontade que se destina a não produzir resultado. O agente aparentemente quer, mas na realidade não quer; a declaração de vontade deveria produzir um resultado, mas o agente não pretende resultado algum. A simulação se diz relativa, também chamada dissimulação, quando o negócio tem por objeto encobrir outro de natureza diversa (e.g., uma compra e venda para dissimular uma doação), ou quando aparenta conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem (e.g., a venda realizada a um terceiro para que este transmita a coisa a um descendente do alienante, a quem este, na verdade, tencionava desde logo transferi-la). E é relativa em tais hipóteses, porque à declaração de vontade deve seguir-se um resultado, efetivamente querido pelo agente, porém diferente do que é o resultado normal do negócio jurídico". (in Instituições de Direito Civil, vol. 1, 31 ed. Forense, 2017, págs. 533/534).
Com efeito, estamos diante da simulação, no caso da regra previdenciária acima descrita, onde o segurado forjou um casamento ou união estável, para permitir que outrem receba uma pensão por morte, irregularmente. Uma mentira, portanto. Na realidade, o segurado não deseja casar-se ou conviver maritalmente com outra pessoa, mas fez isso para conferir um direito de pensão por morte a uma pessoa que não teria, efetivamente, tal prerrogativa.
É simulação absoluta já que esta relação jurídica - casamento ou união estável - não tem conteúdo.
Como diz NELSON NERY JR., "o propósito daqueles que simulam o negócio jurídico e estão em concerto prévio é enganar terceiro estranhos ao negócio jurídico ou fraudar a lei. (in Instituições de Direito Civil, Vol. 1, 2a Ed., Saraiva, 2019, pág. 313).
Não sendo uma dissimulação, que o código estipula ser o negócio válido - salvo se padecer de outro defeito, na forma ou na própria substância - conforme o caput do artigo 167 do Código Civil, não há como converter a nulidade, possível conforme artigo 170 da mesma lei.
Por fim, importante explicar por quê não é uma dissimulação, o casamento ou a união estável, de que trata legislação previdenciária. A dissimulação é aquela que possui um conteúdo (substância) ou forma diferente do que aparenta, como no caso de uma compra e venda entre amantes, para desviar o patrimônio, onde na realidade se pretendia uma doação gratuita; ou quando se faz uma compra e venda de imóvel pelo valor venal, quando na realidade o que se quer ludibriar o fisco, pagando-se menos ITBI, sendo que na realidade, a alienação do imóvel é pelo valor real.
Diante dos dois exemplos acima, no caso da amante, a dissimulação não se convalida, continuando nula, já que o sistema entende que fere os bons costumes e a ordem pública. No entanto, na alienação do imóvel pelo valor venal, a dissimulação será mantida, descortinando a forma do contrato, mantendo-se a compra e venda intacta, mas pagando-se os tributos sobre o valor real do imóvel, e não sobre o valor venal, que geralmente é infinitamente menor.
No mais, na prática "a prova da simulação nem sempre se poderá fazer diretamente; ao revés, frequentemente tem o juiz de se valer de indícios e presunções para chegar à convicção de sua existência", como afirma CAIO MÁRIO (2017, pág. 536).
Assim, o casamento ou a união estável, combinados para ludibriar a Previdência Social, a fim de gerar pensão por morte, são nulos, pois se enquadram no instituto da simulação, previsto no artigo 167 do Código Civil, e recentemente no §2º do artigo 74 da Lei 8213/91, pois "a intencionalidade da divergência entre vontade interna e a declarada é a característica fundamental do negócio simulado. Nele essa divergência é intencional, querida pelos contratantes. Eles sabem conscientemente, que o conteúdo da declaração não é o que intimamente desejam", como cita NELSON NERY JR. (2019, p. 319).
Bibliografia
NERY, Nelson Jr. e NERY, Rosa Maria de Andrade. Instituições de Direito Civil, Vol. 1, 2a ed., São Paulo: Saraiva, 2019.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. 1, 31 ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
RIZZARDO, Arnaldo. Introdução ao Direito e Parte Geral do Código Civil. 8a ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Diferenças entre as Pertenças e as Benfeitorias, frente ao Código Civil.

Matéria aparentemente pacificada no Direito Civil – PERTENÇAS – mas pouco consolidada em detalhes. Apuramos diversos autores, e vamos apresentar as características da pertinencialidade, para podermos diferenciar de um instituto muito próximo, chamado BENFEITORIAS. O Código Civil de 2020 define-a pelo Art. 93, verbis : “São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro”. Se pegarmos os códigos comparados que foram feitos após o NCC, os autores apontam que não há um paralelo com o CC/1916, mas Maria Helena Diniz informa que há sim, dizendo estar no art. 43, inciso III, que declara: “São bens imóveis: (...). Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade”. E a professora ainda diz que o artigo 93 faz prevalecer no Direito Civil atual, o instituto da acessão intelectual. Mas isso é para outro arti

Cuidados em uma conciliação trabalhista (CNJ)

O CNJ – Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 586/2024, mostrou que os acordos trabalhistas durante o ano de 2023 tiveram, em média, valores superiores a 40 salários-mínimos. Saindo dessa “fofoca” boa, a citada Resolução trata dos acordos homologados em face dos arts. 855-B a 855-E da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho (que trata do Processo de Jurisdição Voluntária para Homologação de Acordo Extrajudicial). E ficou resolvido o seguinte: “Os acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho terão efeito de quitação ampla, geral e irrevogável, nos termos da legislação em vigor, sempre que observadas as seguintes condições: I – previsão expressa do efeito de quitação ampla, geral e irrevogável no acordo homologado; II – assistência das partes por advogado(s) devidamente constituído(s) ou sindicato, vedada a constituição de advogado comum; III – assistência pelos pais, curadores ou tutores legais, em se tratando de trabalhador(a) menor de 16 anos ou

Novidades sobre o foro de eleição em contratos, trazidas pela Lei 14.879, de ontem (4 de junho de 2024)

O Código Civil, quando trata do foro de eleição, explica, no artigo 78, que “nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”. Acerca deste tema, ontem houve uma alteração no Código de Processo Civil, em especial no artigo 63, sobre a competência em razão do lugar, para se ajuizar as ações em que existem o domicílio de eleição. Alterou-se o § 1º e acrescentou-se um §5º. Vejamos como era e como ficou: “Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações. § 1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. § 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das pa