Pular para o conteúdo principal

Abaixo está uma decisão judicial onde se usou a lei de imprensa (Ela ainda não morreu!!!)

O interessante desta decisão, e é por isso que trago a vocês, foi a seguinte frase pinçada do texto:

"Autoriza-se o juiz, na interpretação de um discurso em que as palavras não estão soltas como manifestações ofensivas, mas, sim, integradas em um contexto que se associa a uma reportagem precedente e um conjunto de fatos não corretamente explicitados, a concluir que o interlocutor buscou transmitir uma noção completa dos fatos e não propriamente o espírito de ofender uma pessoa, embora citada."

Boa leitura! Postado por Mauricio.

Responsabilidade civil. Lei de imprensa. Retorsão. Não indenizabilidade.

Ementa Oficial

Responsabilidade civil – Quando alguém responde a uma denúncia formulada no jornal, a interpretação do texto dessa resposta deverá ser tomado com a leitura da primeira publicação, sem o que não se analisa a possibilidade de retorsão legítima e que exclui o dever de indenizar – Ocorrência na espécie – Agravo retido prejudicado e apelações não providas.TJSP – 4ª Câm. – Ap. 401.020-4/0 – Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – j. 29.05.08 – vu.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO Nº 401.020-4/0, da Comarca de SÃO PAULO, sendo reciprocamente apelantes e apelados DANIEL MARINS ALESSI e ALDOMAR GUEDES DE OLIVEIRA JÚNIOR [AJ] e apelada EMPRESA JORNALÍSTICA DIÁRIO DE SÃO PAULO LTDA.
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, julgar prejudicado o agravo retido e negar provimento aos recursos.
Vistos.
São dois recursos que permitem o reexame da r. sentença que rejeitou ação promovida por ALDOMAR GUEDES DE OLIVEIRA JÚNIOR contra EMPRESA JORNALÍSTICA DIÁRIO DE SÃO PAULO LTDA. e DANIEL MARINS ALESSI.O agravo retido interposto pela Empresa Jornalística [fl. 705] não foi reiterado, inclusive porque versava sobre a decadência [artigo 56, da Lei 5250/67] que o Tribunal rejeitou pelo v. Acórdão de fl. 810/814.O litígio das partes envolve uma suposta declaração de Daniel que foi publicada na edição do Diário Popular de 27.7.1999, de “mentiroso e maluco”, contra o autor Aldomar. O douto Magistrado considerou que não houve intenção de ofender, mas, sim, resposta a uma acusação de esbulho possessório. Daniel recorreu, apesar da improcedência, para que fique constando não ter emitido tais palavras, sendo que Aldomar busca a condenação dos envolvidos, porque tais palavras do texto são agressivas e levianas, pelas circunstâncias do caso e da vida familiar, o que justifica a reparação dos danos morais.
É o relatório.
Será reservado, no final, um capítulo para dispor sobre o prejuízo do agravo retido não reiterado [artigo 523, § 1º, do CPC].O recurso de Daniel deve ser rejeitado, porque impossível admitir a pretensão. Embora se possa cogitar do interesse da parte vitoriosa em obter modificação dos fundamentos da decisão de improcedência, é de se afirmar que a certeza da declaração que se busca necessita de prova de sua verdade, o que não existe no caso em apreço. Verifica-se que a empresa que edita o Jornal Diário Popular não nega que ter Daniel se referido ao autor como maluco e mentiroso [fl. 675], de modo que caberia a ele, Daniel, provar não ter proferido tais palavras ao repórter. No entanto, não fez Daniel prova do fato, como determina o artigo 333, II, do CPC, e fica impossível consagrar, em decisão judicial, reconhecimento oficial de não ter o apelante mencionado as expressões citadas quando explicou o imbróglio envolvendo os imóveis que abrigam templos da Igreja do Evangelho Quadrangular.
Poder-se-ia cogitar de que competiria à Empresa Jornalística Diário de São Paulo provar a regularidade da coleta de dados quando entrevistado o Deputado, inclusive juntando fitas gravadas e todos os mecanismos que os jornalistas utilizam para resguardo de suas posições diante das manifestações alheias que são publicadas. Ocorre que não existe litígio entre a Empresa Diário de São Paulo e Daniel Marins Alessi, o que desautoriza a incidência das regras dos ônus subjetivos da prova. Daí resulta que caberia ao recorrente provar, para que ficasse definitivamente assentado que não falou o que constou, que o jornalista inventou as palavras para comprometê-lo. Essa prova, no entanto, não existe.O recurso de Aldomar não convence e a r. sentença fica mantida, por ter dado solução correta.Preocupou-se o autor em demonstrar sua higidez psíquica e sua reputação pessoal e profissional, o que constitui apenas uma parcela da matéria que interessa para o julgamento. Cabe mencionar não ser decisiva para o desfecho da lide a não confirmação de doença mental do autor ou a comprovação de ter cometido condutas censuráveis em sua trajetória existencial, exatamente porque o mais importante é a análise global da reportagem que traz, em seu bojo, expressões como “maluco” e “mentiroso”.
Não custa lembrar que a litigiosidade entre os herdeiros de Aldomar Guedes de Oliveira e a Igreja do Evangelho Quadrangular chegou ao conhecimento do grande público por meio de declarações que Aldomar Júnior fez para a imprensa [26.7.1999 – “Deputado do PPB é acusado de golpe contra pastor morto”]. Na edição do dia seguinte o Deputado teria dito, para rebater as acusações, que Aldomar Júnior seria “maluco e mentiroso” [fl. 26].
As questões jurídicas que envolvem a disputa possessória e petitória de imóveis que serviram para construir os templos são complexas e não foram suficientemente esclarecidas aos leitores quando das duas reportagens, o que é de se entender devido ao grau de dificuldade, para os leigos, de compreensão das teses que compõem os arrazoados dos advogados. Ademais, o modelo de comunicação que o Diário Popular adota e cumpre não se destina a esclarecer pessoas interessadas em conhecer as técnicas dos embates forenses. O objetivo é divulgar, com a síntese que por vezes prejudica o sentido do texto, fatos marcantes e que são, normalmente, escandalosos ou que despertam curiosidade pública.
A retorsão, quando pronta e sensata, isenta a pena daquele a quem se acusa [artigo 22, da Lei 5250/67 e § 1º, do artigo 140, do CP]. Esse preceito explica o porque se aplica, para a responsabilidade civil, a figura da excludente do dever de indenizar pelo exercício regular do direito [artigo 188, I, do CC, de 2002]. Quando alguém é citado em uma reportagem, caberá responder, por meio de outra reportagem ou exercendo pedido de resposta e, no caso, o Deputado resolver dar sua versão para a denúncia que o autor fez, quando se referiu a ele como “mentiroso” e “maluco”.Embora o autor negue que tenha fornecido elementos para que o jornal publicasse, no dia anterior, manchete acusando o Deputado de “golpe contra pastor morto”, o fato é que a notícia saiu no jornal com essa ênfase, o que coloca o autor como responsável por essa divulgação. Não consta que o autor processou o jornal pelo fato e, por isso, a reação do Deputado deverá ser analisada diante do que constou na edição do dia anterior. O Tribunal admite que não existe prova de que pretendeu o Deputado ofender o autor imputando-lhe desequilíbrio mental típico dos interditos ou da mentira que desonra, mas, sim, enaltecer eventual irresponsabilidade da iniciativa. Essa conclusão é muito mais verossímil porque se compatibiliza com a falta de esclarecimentos de todo o conteúdo jurídico que marca a disputa pelos imóveis.
Portanto, não caberia reprovar os réus e aplicar neles a condenação prevista no artigo 5º, V e X, da Constituição Federal, até porque, se forem comparadas as notícias, as acusações que foram lançadas contra o Deputado Daniel são tão ou mais graves do que aquelas mencionadas na reportagem do dia seguinte.
Calha, como criteriosa, a explicação de DARCY ARRUDA MIRANDA no sentido de que para justificar a reação, basta “a injustiça objetiva da provocação para justificar a repulsa injuriosa” [Comentários à Lei de Imprensa, 3ª edição, 1995, RT, p. 420].
Autoriza-se o juiz, na interpretação de um discurso em que as palavras não estão soltas como manifestações ofensivas, mas, sim, integradas em um contexto que se associa a uma reportagem precedente e um conjunto de fatos não corretamente explicitados, a concluir que o interlocutor buscou transmitir uma noção completa dos fatos e não propriamente o espírito de ofender uma pessoa, embora citada.
Resulta que a conclusão da r. não é incompatível com a prova dos autos, até porque não se produziu prova do propósito de o Deputado se referir a maluco e mentiroso com o propósito de menoscabar aquele que lhe denunciou como praticamente de golpe.
Declara-se prejudicado o agravo retido e nega-se provimento aos recursos.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores TEIXEIRA LEITE [Presidente] e MAIA DA CUNHA.
São Paulo, 29 de maio de 2008.
Ênio Santarelli Zuliani
Relator

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Diferenças entre as Pertenças e as Benfeitorias, frente ao Código Civil.

Matéria aparentemente pacificada no Direito Civil – PERTENÇAS – mas pouco consolidada em detalhes. Apuramos diversos autores, e vamos apresentar as características da pertinencialidade, para podermos diferenciar de um instituto muito próximo, chamado BENFEITORIAS. O Código Civil de 2020 define-a pelo Art. 93, verbis : “São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro”. Se pegarmos os códigos comparados que foram feitos após o NCC, os autores apontam que não há um paralelo com o CC/1916, mas Maria Helena Diniz informa que há sim, dizendo estar no art. 43, inciso III, que declara: “São bens imóveis: (...). Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade”. E a professora ainda diz que o artigo 93 faz prevalecer no Direito Civil atual, o instituto da acessão intelectual. Mas isso é para outro arti

Cuidados em uma conciliação trabalhista (CNJ)

O CNJ – Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 586/2024, mostrou que os acordos trabalhistas durante o ano de 2023 tiveram, em média, valores superiores a 40 salários-mínimos. Saindo dessa “fofoca” boa, a citada Resolução trata dos acordos homologados em face dos arts. 855-B a 855-E da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho (que trata do Processo de Jurisdição Voluntária para Homologação de Acordo Extrajudicial). E ficou resolvido o seguinte: “Os acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho terão efeito de quitação ampla, geral e irrevogável, nos termos da legislação em vigor, sempre que observadas as seguintes condições: I – previsão expressa do efeito de quitação ampla, geral e irrevogável no acordo homologado; II – assistência das partes por advogado(s) devidamente constituído(s) ou sindicato, vedada a constituição de advogado comum; III – assistência pelos pais, curadores ou tutores legais, em se tratando de trabalhador(a) menor de 16 anos ou

Novidades sobre o foro de eleição em contratos, trazidas pela Lei 14.879, de ontem (4 de junho de 2024)

O Código Civil, quando trata do foro de eleição, explica, no artigo 78, que “nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”. Acerca deste tema, ontem houve uma alteração no Código de Processo Civil, em especial no artigo 63, sobre a competência em razão do lugar, para se ajuizar as ações em que existem o domicílio de eleição. Alterou-se o § 1º e acrescentou-se um §5º. Vejamos como era e como ficou: “Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações. § 1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. § 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das pa