As plataformas de transporte (exemplos não faltam em cada cidade desta país, mas existem as tradicionais como Uber), deixam mensagens subliminares de que seus motoristas são “autônomos”. Mas será que essa autonomia realmente existe?
Antes porém, importante falar do empregado, que é aquele trabalhador subordinado. E a palavra “subordinação” vem de sub (sob) e ordinare (ordens). E no dia-a-dia dos aplicativos de transporte o que mais vemos nesse tipo de relação é justamente a existência de ordens, controles e punições digitais disfarçados de liberdade e autonomia.
Vamos a diversos exemplos: o motorista não define o preço da corrida. Não escolhe livremente o passageiro. Não negocia tarifas. É o aplicativo quem dita as regras — desde o valor da viagem até o destino onde o motorista deve se posicionar (maior fluxo do momento), sob pena de perder corridas e bônus. Além disso, existe uma fiscalização constante, uma vigilância algorítmica que monitora cada frenagem, aceleração e trajeto percorrido. O motorista é avaliado pela plataforma, pelo passageiro e, por vezes, pelo próprio sistema automatizado — que pode bloqueá-lo, adverti-lo ou até desligá-lo sumariamente.
É o poder diretivo da empresa exercido de forma indireto, parecendo até ser invisível, mas não menos real. Um poder que se manifesta por meio de telas, mensagens e “avisos” que se assemelham às advertências, suspensões e dispensas sem justa causa do emprego formal.
O discurso da autonomia cai por terra quando percebemos que o motorista não constrói uma clientela própria, não decide o valor do seu serviço, e não controla sua jornada de trabalho — sendo constantemente pressionado por estímulos digitais como “bônus”, “missões” e “metas”, que o conduzem a uma rotina exaustiva, quase sem descanso.
Enquanto isso, o Estado observa um grave problema social: menos de 30% dos trabalhadores de aplicativos contribuem com a Previdência Social, o que gera não apenas um déficit no sistema, mas também um futuro incerto para quem dedica a vida ao volante, muitas vezes sem proteção mínima em caso de doença ou acidente.
O tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal, e é essencial que haja cautela e sensibilidade pela imensa maioria dos Ministros que aparentemente já decidiram que a CLT não é a única forma de contratação. Não se trata de ideologia, mas de reconhecer a dignidade humana em um modelo de trabalho cada vez mais desumanizado por algoritmos.
Estamos chamando de “autônomo” uma pessoa natural que está sob controle constante de uma máquina. Mas, na prática, trata-se de um novo tipo de subordinação - indireta e direta - mas também digital, silenciosa e implacável com a saúde e o futuro do trabalhador.
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