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Para quê uma MEI, ME ou uma EPP foram criadas? Foi para ter finalidade empresarial, no âmbito Civil, ou com o propósito de substituir mão-de-obra empregada, em atividade-fim?

Com certeza não foi com o propósito de afetar as relações de emprego, ou seja, substituir mão de obra perene da empresa, em atividade-fim, mas sim, e tão somente, possuir uma natureza jurídica civilista e empresarial, como se verá abaixo, por meio de uma interpretação sistemática da norma que criou o Micrompresário Individual, a Microempresa e a Empresa de Pequeno Porte.

A Lei Complementar 123, de 2006, institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, e um dos seus criadores, o então Deputado Jutahy Júnior, na exposição de motivos, declarou que:

“Segundo dados do BNDES, 98% do total de empresas do país são constituídas de micros e pequenas empresas e representam 93% dos estabelecimentos empregadores, que correspondem a cerca de 60% dos empregos gerados no país, participando com 43% da renda total dos setores industrial, comercial e de serviços. Com estes dados, podemos perceber a importância das pequenas e microempresas no desenvolvimento de nossa economia e principalmente como fator de geração de emprego e distribuição de renda”.

(https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node016a10i1pgut4aqv28d7k47chs5148327.node0?codteor=193056&filename=Tramitacao-PLP+123/2004 )

Observa-se então, pela sua declaração, que o projeto não era para substituir mão-de-obra, mas sim para fomentar a criação de emprego.

Pois bem. Sobre a LC 123/06, citaremos os artigos 3º, 4º, 17, 18-A, 18-B e 68, para consolidar nossas impressões – de novo, levando em conta uma interpretação sistemática – que o MEI, ME e EPP não estão no mundo jurídico para pejotização da relação de trabalho.

Vamos, portanto, ao estudo da legislação:

O artigo 3º explica quem é a ME e a EPP, e o §4º, inciso XI, declara que não poderão ter os benefícios tributários e fiscais, se os sócios ou seus titulares guardarem “cumulativamente, com o contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade”.

Importante norma, pois desde já se pode aplicar o artigo 9º da CLT, que impõe a nulidade da contratação do MEI, ME, EPP, para substituir mão de obra com as características dos empregados (artigos 2º e 3º da CLT).

No mais, o § 6º deste artigo 3º ainda coloca a hipótese de exclusão do “tratamento jurídico diferenciado”, se incorrer na situação prevista no §4º.

Eis o texto, na íntegra, do artigo da LC 123/06, supra referido:

“Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e

II - no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).     

§ 4º Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica:

(.................)

XI - cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade.                     

§ 6º  Na hipótese de a microempresa ou empresa de pequeno porte incorrer em alguma das situações previstas nos incisos do § 4o, será excluída do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, bem como do regime de que trata o art. 12, com efeitos a partir do mês seguinte ao que incorrida a situação impeditiva.”

Para reafirmar a natureza jurídica civil, e não trabalhista, do MEI, ME e EPP, vejam o artigo 17 da LC 123/06:

“Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou empresa de pequeno porte:

(...................)

XII - que realize cessão ou locação de mão-de-obra”.

E também o seguinte: - O Capítulo XI da Lei Complementar 123/06, trata “DAS REGRAS CIVIS E EMPRESARIAIS”. E, na “Seção I”, cujo título é “Das Regras Civis”, em especial na “Subseção I”, cujo título é “Do Pequeno Empresário”, há o artigo 68, que determina: “Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual até o limite previsto no § 1o do art. 18-A.”

Não há, portanto, uma referência à CLT, à legislação trabalhista, ou algo que leve a uma interpretação de que esta norma tem finalidade para afetar a legislação labora, para substituição de sua mão-de-obra.

E sobre o MEI – Microempreendedor Individual, que surgiu depois de 2006, mas que está abarcado na LC 123/06, vem o artigo 4º expor, nos §§ 1º e 2º, que:

“Art. 4o  ................................……………........................... 

§ 1º  O processo de registro do Microempreendedor Individual de que trata o art. 18-A desta Lei Complementar deverá ter trâmite  especial, opcional para o empreendedor  na forma a ser disciplinada pelo Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios. 

§ 2o  Na hipótese do § 1o deste artigo, o ente federado que acolher o pedido de registro do Microempreendedor Individual deverá utilizar formulários com os requisitos mínimos constantes do art. 968 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, remetendo mensalmente os requerimentos originais ao órgão de registro do comércio, ou seu conteúdo em meio eletrônico, para efeito de inscrição, na forma a ser disciplinada pelo Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios”.

O que demonstra, novamente, o intuito do legislador de sempre trabalhar com estas novas figuras civilistas, dentro do âmbito empresarial, e não trabalhista.

Chama a atenção, também, os artigos 18-A e 18-B da LC 123/06, que impede o MEI de contratar empregado, além de recolher contribuição ao INSS não como empregado, mas sim como contribuinte individual (antigo autônomo). Por fim, elenca o parágrafo único do artigo 18-B, uma lista de atividades-meio (e não fim), onde o MEI poderá prestar serviços, o que denota ser um prestador de serviços que nunca poderá substituir atividade preponderante das empresas neste País, mas que infelizmente, vemos acontecer com frequência, nos dias de hoje, precarizando a relação de emprego.

Aqui, abaixo, o texto legal, acima referido:

“Art. 18-A.  O Microempreendedor Individual - MEI poderá optar pelo recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais, independentemente da receita bruta por ele auferida no mês, na forma prevista neste artigo.

§ 1o  Para os efeitos desta Lei, considera-se MEI o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo.  

§ 4o  Não poderá optar pela sistemática de recolhimento prevista no caput deste artigo o MEI:  

(........

IV – que contrate empregado”.

“Art. 18-B.  A empresa contratante de serviços executados por intermédio do MEI mantém, em relação a esta contratação, a obrigatoriedade de recolhimento da contribuição a que se refere o inciso III do caput e o § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e o cumprimento das obrigações acessórias relativas à contratação de contribuinte individual.  

Parágrafo único.  Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos”. 

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