Mudanças no Direito Privado: será que agora o patrão pode não mais responder pelos atos dos seus empregados?
O Código Civil, por meio do artigo 932, inciso III, determina que: “São também responsáveis pela reparação civil: (...) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.
Claro que elemento
espiritual, o vínculo jurídico que liga o empregador ao empregado é o contrato
bilateral que entabularam, onde a prestação é um “fazer” pelo trabalhador e um “dar”
(remuneração) pelo patrão.
Pois bem. Agora com a
nova Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei 13.874/19), o
Código Civil sofreu uma alteração, estipulando, no artigo 113, § 2º, que “as
partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de
lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em
lei”.
A dúvida que colocamos
então é a seguinte: poderia – doravante – empregado e empregador, negociar,
combinar, estipular no contrato de emprego que o empregador não mais se
responsabiliza pelos atos do empregado, “no exercício do trabalho que lhes
competir, ou em razão dele”?
Quando se estuda
Obrigações, no âmbito do Direito Civil, descobrimos que sabemos quem são os
elementos subjetivos, ou seja, os sujeitos na relação obrigacional, isto é,
credor e devedor. Diferentemente do que no Direito de Propriedade, onde nas
relações de Direito Real, o devedor é indeterminado, um sujeito passivo
universal, onde toda a sociedade deve respeito ao meu direito de propriedade.
Logo, se estipularmos no
contrato de trabalho que o empregador não será responsável pelos atos e
omissões do empregado, estaríamos deixando claro quem é devedor e credor, aqui.
E, mais... o novo artigo 421-A do Código Civil estipula, em seu inciso II, que
as partes podem definir “a alocação dos riscos”, e isto deve ser respeitado e
observada.
Tudo isto reforçado pelo
novo parágrafo único do artigo 421 do Código Civil, que determina – nos contratos
– o “princípio da intervenção mínima”.
Dois obstáculos para esta
negociação de troca de responsabilidade:
a) o primeiro estaria no
parágrafo único do artigo 2035, também do Código Civil, verbis: “Nenhuma
convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os
estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e
dos contratos”. Com certeza o artigo 932 do Código Civil é norma de ordem
pública, e o contrato entre empregado e empregador que estipulasse a troca de
responsabilidade seria nulo.;
b) o segundo, está
previsto no caput do artigo 2º da CLT, que prevê que o empregador é quem corre
os riscos do negócio. Mas, a expressão “riscos” é típica de “cláusula aberta”,
genérica, permitindo intepretações, já que não está pormenorizado quais seriam
estes riscos, e se poderiam ser negociados, ainda mais agora, que a Reforma
Trabalhista trouxe a figura do trabalhador hipersuficiente (CLT, 444).
Aliás, vale a pena
colocar aqui o texto do artigo 444, da CLT:
‘Art. 444 - As relações
contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes
interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao
trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das
autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação
a que se refere o caput deste
artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A
desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância
sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de
nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o
limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”.
Com efeito, em que pese o
parágrafo único do artigo 2035 do Código Civil, e os riscos do negócio de que
trata o artigo 2º da CLT, será que não cabe uma nova intepretação, correção e
integração normativa, ainda mais com estes recentes artigos colocados pela
Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica (421-A; parágrafo único do art.
421; parágrafo segundo, do artigo 113), que estariam atualizando o novo modo de
pensar do legislador, sobre a autonomia privada? Quem arriscará colocar uma
cláusula dessas nos contratos de emprego, daqui para frente?
Comentários