Era para ser a viagem dos sonhos do pequeno Ivan. O
pai, o engenheiro Ivan Moulin, tinha prometido que, quando o filho completasse
10 anos de idade, o presente de aniversário seria a tão sonhada viagem à
Disney.
O pacote foi comprado pela
internet, em um site bastante conhecido, com propagandas estreladas por
artistas famosos. Chegando em Orlando, entretanto, para a surpresa dos
dois “Ivans”, não havia reserva alguma.
Todo o pacote já havia
sido pago, mas o hotel não encontrou nada. De lá, tentaram contato telefônico
com a empresa, mas nada foi resolvido e a saída foi ter que desembolsar tudo de
novo para pagar o hotel.
“A nossa sorte é que ainda
tinha vaga, porque fomos em alta temporada e nesse período os hotéis da Disney
costumam ficar lotados”, disse o engenheiro. O caso só foi resolvido na
justiça. A empresa teve que devolver todos os prejuízos causados.
O presente de aniversário
do Ivan é apenas um entre milhares de exemplos de casos que todos os anos batem
à porta do judiciário. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, já
visitaram as salas de julgamentos contratos com cláusulas abusivas, discussões
sobre a responsabilidade solidária entre agências e operadoras de pacotes e
valores a serem devolvidos em casos de desistência, entre outros.
Quando a viagem dos sonhos
vira um pesadelo, o consumidor não só pode como deve buscar seus direitos. Para
isso, antes de arrumar as malas, precisa estar atento ao entendimento do
judiciário sobre o que pode e o que não pode ser abusivo.
Desistência do pacote
Imagine a situação. Você
planejou a viagem durante o ano inteiro, pagou pelo pacote, mas por algum motivo
pessoal, desistiu. No contrato firmado, entretanto, estava prevista a perda
integral do valor pago em casos de desistência. Isso é legal?
De acordo com a Terceira
Turma do STJ, não. No julgamento do REsp 1321655, o colegiado entendeu que
cláusula contratual que estabelece a perda integral do preço pago, em caso de
cancelamento de serviço, constitui estipulação abusiva, que resulta em
enriquecimento ilícito.
O caso apreciado envolveu
um consumidor de Minas Gerais que desistiu de um pacote turístico de 14 dias
para a Turquia, Grécia e França, no valor de cerca de R$ 18 mil. O Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG) reconheceu a validade da cláusula que determinou
a perda de todo o valor pago.
No STJ, entretanto, o
relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, considerou que o
cancelamento de pacote turístico é um risco ao qual toda agência de turismo
está sujeita, e o consumidor não pode arcar com o prejuízo sozinho. Em decisão
unânime, a Turma determinou que a multa a ser paga pelo consumidor tem que ser
de 20% do valor total.
Responsabilidade solidária
Um outro caso envolveu um
pacote de turismo comprado por quatro amigos para assistir à copa do mundo de
1998, na França (REsp 888751). Além de perderem a estreia da seleção brasileira
por atraso do voo, houve mudança no roteiro programado e hospedagem em hotéis
de categoria inferior.
A Quarta Turma do STJ
condenou tanto a agência de turismo quanto a empresa responsável pelo pacote.
No STJ, já é entendimento pacificado (jurisprudência) que agência de viagens
que vende pacote turístico responde pelo dano decorrente da má prestação dos
serviços oferecidos.
Foi determinada a
restituição de todos os prejuízos devidamente comprovados pelos consumidores,
além de indenização por dano moral no valor de R$ 20 mil para cada um deles.
Segundo o acórdão, “a
perda do jogo inaugural da seleção de futebol do Brasil na Copa do Mundo de
1998, a mudança unilateral de roteiro, com troca de cidades, a hospedagem em
hotéis de categoria inferior aos contratados, sendo os autores acomodados em
hotéis de estrada, são circunstâncias que evidenciam a má prestação do serviço,
em desconformidade com o que foi contratado, situações essas que, no somatório,
não se restringem a um simples aborrecimento de viagem, configurando, sim, um
abalo psicológico ensejador do dano moral”.
Compra de passagens
No julgamento do REsp
1453920, entretanto, a Terceira Turma delimitou a diferença entre vendas de
passagens aéreas e de pacotes turísticos feitas por agências e as implicações
judiciais dessas particularidades.
No caso apreciado, foram
compradas passagens aéreas em uma agência, mas os consumidores não puderam
viajar porque a empresa aérea interrompeu seus serviços na época da viagem.
Os consumidores entraram
na Justiça contra a empresa aérea e a agência que vendeu as passagens, mas os
ministros excluíram a agência da ação.
O acórdão reconheceu que o
STJ admite a responsabilidade solidária das agências na venda de pacotes, mas
concluiu que, no caso, “o serviço prestado pela agência de turismo foi
exclusivamente a venda de passagens aéreas, circunstância que afasta a sua
responsabilidade pelo efetivo cumprimento do contrato de transporte aéreo e
autoriza o reconhecimento da sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da
ação indenizatória decorrente de cancelamento de voo”.
Consumidor atento
Fora dos limites dos
tribunais, o consumidor pode ser ainda mais atuante. O advogado Maurício
Nardelli alerta sobre a importância de verificar a idoneidade da empresa que se
pretende contratar. Segundo ele, é muito importante consultar o Procon e sites
de reclamações antes de assinar um contrato e, claro, só assiná-lo depois de
uma leitura cuidadosa.
No caso do Ivan, o
advogado orienta que o ideal seria o consumidor entrar em contato com o hotel
para confirmar tudo o que o foi prometido no pacote. “É muito ruim fazer uma
compra desconfiado e ter que ligar para confirmar, mas, infelizmente,
principalmente em uma viagem para o exterior, vale o velho ditado que diz: o
seguro morreu de velho!
fonte: STJ
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