Com origem no direito romano, o princípio da insignificância ou bagatela ampara a não aplicação do direito penal em condutas que, embora ilegais, resultam em danos sociais ou materiais ínfimos. A ideia é não acionar a máquina judiciária para tratar de questões sem lesão significativa a bens jurídicos relevantes.
O instituto não está previsto na lei penal brasileira, mas os tribunais o aplicam amplamente. Para afastar a tipicidade penal de uma conduta, ou seja, não considerar crime um ato ilegal, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu a necessidade de quatro requisitos: mínima ofensividade da conduta, total ausência de periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressiva lesão jurídica.
Contudo, esses critérios são revestidos de elevada subjetividade, de forma que frequentemente os magistrados são desafiados a mensurar conceitos que não têm escala métrica. No STJ, os ministros têm despendido bastante tempo em longos debates para definir se é grande ou pequena a ofensa e a audácia de uma ação, se o prejuízo causado é expressivo ou não, o que varia segundo as condições socioeconômicas da vítima.
“Penso que, embora seja possível avaliar a possibilidade de emprego do princípio da insignificância à luz dos referidos critérios, é preciso, hoje, fazer uma nova leitura de tais pressupostos”, diz o ministro Og Fernandes, presidente da Sexta Turma. “É preciso observar que somente a análise do caso concreto revelará a possibilidade de aplicação ou não do referido princípio”, acrescenta.
Essa nova leitura inclui a ponderação das condições do réu, como avaliar se ele é primário ou não, os maus antecedentes e sua conduta social. Também é importante analisar o resultado da infração para a vítima – inclusive sentimental –, e o modo como o ato foi praticado. Outra questão decisiva é saber se o bem foi restituído.
Evolução da jurisprudência
Havia sido fixado o parâmetro de danos até R$ 100 para reconhecimento da atipicidade material. Mas as Turmas de direito penal chegaram à conclusão de que o valor do bem, por si só, ainda que pequeno, deve ser conjugado com as demais circunstâncias do fato, voltando-se os olhos para as condições subjetivas do próprio acusado, de modo a evitar que o postulado beneficie criminosos habituais.
Também é possível encontrar precedentes que, em razão da reincidência do acusado ou de seus péssimos antecedentes, negam a aplicação do princípio. Tem-se rejeitado, ainda, a incidência da bagatela nos crimes cometidos com violência ou ameaça à pessoa, a exemplo do roubo, bem como nos casos de tráfico de drogas, ainda que de pequena quantidade. Em regra, não se reconhece a bagatela nos crimes contra a administração pública.
“Ainda pende alguma controvérsia a respeito da possibilidade de aferição das condições pessoais do réu, já que o princípio consubstancia causa excludente da tipicidade material, não travando qualquer relação técnica com a culpabilidade ou com as características pessoais do agente”, explica Og Fernandes. Contudo, ele ressalta que já existem precedentes da Sexta Turma que mudam esse entendimento, invocando os antecedentes negativos e a reincidência como obstáculos ao deferimento da excludente de tipicidade.
Processos mais recentes
O STJ registra aumento substancial dos recursos e habeas corpus sobre esse tema. “Difícil presenciar alguma sessão de julgamento das Turmas criminais que não examine essa matéria”, observa Og Fernandes.
Ele considera isso benéfico, por um lado, “pois resultará inevitavelmente em um amadurecimento sobre os institutos penais, deixando a prisão e a persecução criminal para as hipóteses realmente necessárias”. De outro lado, entretanto, o ministro defende que é preciso tomar cuidado: “Estamos bem atentos para que o princípio não caia em aviltamento e descrédito.”
A evolução da jurisprudência na apreciação desses casos pela Corte Superior pode ser constatada a seguir. Todos os processos citados foram julgados em 2013.
Conduta reprovável
Seguindo os critérios fixados pelo STF, a Quinta Turma não aplicou o princípio da insignificância ao julgar habeas corpus em favor de agente funerário que furtou R$ 279 do bolso de vítima fatal em acidente de trânsito.
Os ministros avaliaram que o montante não era ínfimo, considerando que pequeno valor não pode ser confundido com valor insignificante. Também entenderam que foi alto o grau de reprovabilidade da ação.
“A conduta se reveste de reprovabilidade que não é irrelevante, vez que se trata de recorrente que retirou a quantia descrita acima do corpo da vítima, ao exercer seu trabalho de agente funerário”, diz o acórdão. “Logo, cuida-se de certo grau de reprovabilidade da conduta que inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância”, concluiu (RHC 34.886).
Também pela reprovabilidade do comportamento, a Turma não aplicou a bagatela a furto em ônibus coletivo. O réu pegou o troco de R$ 17 que seria devolvido a uma passageira e saiu correndo. Em outra oportunidade, enfiou a mão na gaveta do cobrador, tirou R$ 20 e fugiu, derrubando uma senhora.
Os ministros consideraram que a ação, além de reiterada, revela lesividade suficiente para justificar a persecução penal. Para eles, a falta de repressão a condutas desse tipo “representaria verdadeiro incentivo aos pequenos delitos” (HC 189.254).
Já um homem denunciado pela tentativa de furtar duas garrafas de uísque no valor de R$ 45 foi beneficiado pelo princípio da insignificância. Para os ministros, não houve lesão significativa ao bem jurídico tutelado. Assim, eles concordaram com o juiz de primeiro grau, que havia rejeitado a acusação. Essa decisão tinha sido reformada na apelação do Ministério Público (HC 230.154).
Fato típico
O ministro Og Fernandes explica que, para a caracterização do fato típico, ou seja, para que determinada conduta seja crime e mereça a intervenção do direito penal, é necessária a análise de três aspectos: o formal, o subjetivo e o material ou normativo.
A tipicidade formal consiste na perfeita inclusão da conduta do agente no tipo previsto abstratamente pela lei penal. O aspecto subjetivo é o dolo, a intenção de violar a lei. Já a tipicidade material implica verificar se a conduta possui relevância penal diante da lesão provocada no bem jurídico tutelado. Segundo o ministro, a intervenção do direito penal apenas se justifica quando esse bem for exposto a um dano com relevante lesividade.
Latas de leite
Causou polêmica na Sexta Turma o recente julgamento de habeas corpus em favor de uma mulher que tentou furtar de um mercado 11 latas de leite em pó, avaliadas em R$ 76,89. A Defensoria Pública não conseguiu trancar a ação penal no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e, por isso, buscou o STJ pedindo a aplicação do princípio da insignificância.
Embora aparentemente simples, o caso foi muito discutido e o julgamento foi concluído por maioria de votos. Os ministros Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior acompanharam o relator, ministro Og Fernandes, na aplicação do princípio da insignificância. A ministra Assusete Magalhães e a desembargadora convocada Alderita Ramos ficaram vencidas.
A divergência se revela nas particularidades de cada processo. Nesse, a mulher tinha maus antecedentes e era reincidente contumaz. Por outro lado, há indícios de que ela sofra de esquizofrenia.
Og Fernandes reconheceu “a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada”. Ele afirmou ainda que, de acordo com a jurisprudência do STJ e do STF, a existência de condições pessoais desfavoráveis, como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impede a aplicação do princípio da insignificância (HC 250.122).
Profissão: pequeno furtador
Na mesma sessão de julgamento que analisou o caso acima, a Turma não considerou insignificante o furto de uma colher de pedreiro avaliada em R$ 4. O autor foi condenado a dois anos e oito meses de prisão, em regime inicial fechado.
O modo ousado como o furto foi praticado levou a maioria dos ministros a afastar a bagatela. O réu pulou uma grade de 1,7 metro de altura e um muro de 2,5 metros e só não levou mais objetos porque foi descoberto. Além disso, ele tem maus antecedentes, é reincidente específico e já foi beneficiado anteriormente com a aplicação do princípio da insignificância.
Para o ministro Sebastião Reis Júnior, a aplicabilidade do princípio da insignificância deve ser avaliada com cautela, observando-se as peculiaridades do caso concreto, para auferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta e a necessidade ou não de utilização do direito penal. Ele alerta que a aplicação irrestrita desse princípio pode estimular a prática de furtos de pequeno valor.
“Entendo que o princípio da insignificância não foi concebido para resguardar ou legitimar constantes condutas desvirtuadas, sob pena de se criar um verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal ou de se estimular a prática reiterada de furtos de pequeno valor, mormente aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida”, afimou Sebastião Reis Júnior no voto (HC 253.360).
Furto famélico
Já ao caso do morador de rua que arrombou um táxi para furtar moedas que somavam R$ 12, a bagatela foi aplicada. O dono, que tinha se afastado rapidamente do veículo, conseguiu pegar o ladrão.
No debate, os ministros apontaram que ele danificou o carro e, sendo um táxi, o conserto impediu temporariamente o trabalho do proprietário. Por outro lado, o morador de rua afirmou que iria comprar comida com o dinheiro.
O ministro Og Fernandes, que votou pelo trancamento da ação, lembrou que muito antes do princípio da insignificância já havia a figura do furto famélico, que não é crime porque a pessoa age em estado de extrema necessidade – desde que não haja violência. E isso é válido não apenas em furtos voltados para saciar a fome. Vale também para subtração de remédio ou de um cobertor em dias frios, por exemplo (HC 227.474).
Débitos tributários
Em julgamento de recurso especial repetitivo (REsp 1.112.748), a Terceira Seção seguiu decisão do STF e firmou o entendimento de que é possível aplicar o princípio da insignificância aos crimes tributários cujo valor não ultrapasse o limite de R$ 10 mil. De acordo com a Lei 10.522/02, a Fazenda Pública não executa créditos tributários inferiores a esse valor.
Para a Quinta Turma, a tese refere-se ao crime de descaminho, e não ao de contrabando. Embora os dois delitos estejam juntos no artigo 334 do Código Penal, eles são distintos. Contrabando é importação ou exportação de produto proibido, ou que atente contra a saúde ou a moralidade. Já o descaminho é a entrada ou saída de produtos permitidos, mas sem recolhimento dos tributos devidos.
Com esse fundamento, a Turma negou a aplicação do princípio da insignificância a acusado de contrabandear cigarros. A relatora, ministra Laurita Vaz, ressaltou que o objeto jurídico tutelado nesse delito, além da proteção ao erário, é a saúde, a moral e a ordem pública.
“A introdução de cigarros em território nacional sujeita-se à proibição relativa, sendo que a sua prática, fora dos moldes expressamente previstos em lei, constitui delito de contrabando, e não descaminho, inviabilizando a incidência do princípio da insignificância”, afirmou. A decisão foi unânime (AREsp 286.181).
O instituto não está previsto na lei penal brasileira, mas os tribunais o aplicam amplamente. Para afastar a tipicidade penal de uma conduta, ou seja, não considerar crime um ato ilegal, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu a necessidade de quatro requisitos: mínima ofensividade da conduta, total ausência de periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressiva lesão jurídica.
Contudo, esses critérios são revestidos de elevada subjetividade, de forma que frequentemente os magistrados são desafiados a mensurar conceitos que não têm escala métrica. No STJ, os ministros têm despendido bastante tempo em longos debates para definir se é grande ou pequena a ofensa e a audácia de uma ação, se o prejuízo causado é expressivo ou não, o que varia segundo as condições socioeconômicas da vítima.
“Penso que, embora seja possível avaliar a possibilidade de emprego do princípio da insignificância à luz dos referidos critérios, é preciso, hoje, fazer uma nova leitura de tais pressupostos”, diz o ministro Og Fernandes, presidente da Sexta Turma. “É preciso observar que somente a análise do caso concreto revelará a possibilidade de aplicação ou não do referido princípio”, acrescenta.
Essa nova leitura inclui a ponderação das condições do réu, como avaliar se ele é primário ou não, os maus antecedentes e sua conduta social. Também é importante analisar o resultado da infração para a vítima – inclusive sentimental –, e o modo como o ato foi praticado. Outra questão decisiva é saber se o bem foi restituído.
Evolução da jurisprudência
Havia sido fixado o parâmetro de danos até R$ 100 para reconhecimento da atipicidade material. Mas as Turmas de direito penal chegaram à conclusão de que o valor do bem, por si só, ainda que pequeno, deve ser conjugado com as demais circunstâncias do fato, voltando-se os olhos para as condições subjetivas do próprio acusado, de modo a evitar que o postulado beneficie criminosos habituais.
Também é possível encontrar precedentes que, em razão da reincidência do acusado ou de seus péssimos antecedentes, negam a aplicação do princípio. Tem-se rejeitado, ainda, a incidência da bagatela nos crimes cometidos com violência ou ameaça à pessoa, a exemplo do roubo, bem como nos casos de tráfico de drogas, ainda que de pequena quantidade. Em regra, não se reconhece a bagatela nos crimes contra a administração pública.
“Ainda pende alguma controvérsia a respeito da possibilidade de aferição das condições pessoais do réu, já que o princípio consubstancia causa excludente da tipicidade material, não travando qualquer relação técnica com a culpabilidade ou com as características pessoais do agente”, explica Og Fernandes. Contudo, ele ressalta que já existem precedentes da Sexta Turma que mudam esse entendimento, invocando os antecedentes negativos e a reincidência como obstáculos ao deferimento da excludente de tipicidade.
Processos mais recentes
O STJ registra aumento substancial dos recursos e habeas corpus sobre esse tema. “Difícil presenciar alguma sessão de julgamento das Turmas criminais que não examine essa matéria”, observa Og Fernandes.
Ele considera isso benéfico, por um lado, “pois resultará inevitavelmente em um amadurecimento sobre os institutos penais, deixando a prisão e a persecução criminal para as hipóteses realmente necessárias”. De outro lado, entretanto, o ministro defende que é preciso tomar cuidado: “Estamos bem atentos para que o princípio não caia em aviltamento e descrédito.”
A evolução da jurisprudência na apreciação desses casos pela Corte Superior pode ser constatada a seguir. Todos os processos citados foram julgados em 2013.
Conduta reprovável
Seguindo os critérios fixados pelo STF, a Quinta Turma não aplicou o princípio da insignificância ao julgar habeas corpus em favor de agente funerário que furtou R$ 279 do bolso de vítima fatal em acidente de trânsito.
Os ministros avaliaram que o montante não era ínfimo, considerando que pequeno valor não pode ser confundido com valor insignificante. Também entenderam que foi alto o grau de reprovabilidade da ação.
“A conduta se reveste de reprovabilidade que não é irrelevante, vez que se trata de recorrente que retirou a quantia descrita acima do corpo da vítima, ao exercer seu trabalho de agente funerário”, diz o acórdão. “Logo, cuida-se de certo grau de reprovabilidade da conduta que inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância”, concluiu (RHC 34.886).
Também pela reprovabilidade do comportamento, a Turma não aplicou a bagatela a furto em ônibus coletivo. O réu pegou o troco de R$ 17 que seria devolvido a uma passageira e saiu correndo. Em outra oportunidade, enfiou a mão na gaveta do cobrador, tirou R$ 20 e fugiu, derrubando uma senhora.
Os ministros consideraram que a ação, além de reiterada, revela lesividade suficiente para justificar a persecução penal. Para eles, a falta de repressão a condutas desse tipo “representaria verdadeiro incentivo aos pequenos delitos” (HC 189.254).
Já um homem denunciado pela tentativa de furtar duas garrafas de uísque no valor de R$ 45 foi beneficiado pelo princípio da insignificância. Para os ministros, não houve lesão significativa ao bem jurídico tutelado. Assim, eles concordaram com o juiz de primeiro grau, que havia rejeitado a acusação. Essa decisão tinha sido reformada na apelação do Ministério Público (HC 230.154).
Fato típico
O ministro Og Fernandes explica que, para a caracterização do fato típico, ou seja, para que determinada conduta seja crime e mereça a intervenção do direito penal, é necessária a análise de três aspectos: o formal, o subjetivo e o material ou normativo.
A tipicidade formal consiste na perfeita inclusão da conduta do agente no tipo previsto abstratamente pela lei penal. O aspecto subjetivo é o dolo, a intenção de violar a lei. Já a tipicidade material implica verificar se a conduta possui relevância penal diante da lesão provocada no bem jurídico tutelado. Segundo o ministro, a intervenção do direito penal apenas se justifica quando esse bem for exposto a um dano com relevante lesividade.
Latas de leite
Causou polêmica na Sexta Turma o recente julgamento de habeas corpus em favor de uma mulher que tentou furtar de um mercado 11 latas de leite em pó, avaliadas em R$ 76,89. A Defensoria Pública não conseguiu trancar a ação penal no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e, por isso, buscou o STJ pedindo a aplicação do princípio da insignificância.
Embora aparentemente simples, o caso foi muito discutido e o julgamento foi concluído por maioria de votos. Os ministros Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior acompanharam o relator, ministro Og Fernandes, na aplicação do princípio da insignificância. A ministra Assusete Magalhães e a desembargadora convocada Alderita Ramos ficaram vencidas.
A divergência se revela nas particularidades de cada processo. Nesse, a mulher tinha maus antecedentes e era reincidente contumaz. Por outro lado, há indícios de que ela sofra de esquizofrenia.
Og Fernandes reconheceu “a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada”. Ele afirmou ainda que, de acordo com a jurisprudência do STJ e do STF, a existência de condições pessoais desfavoráveis, como maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não impede a aplicação do princípio da insignificância (HC 250.122).
Profissão: pequeno furtador
Na mesma sessão de julgamento que analisou o caso acima, a Turma não considerou insignificante o furto de uma colher de pedreiro avaliada em R$ 4. O autor foi condenado a dois anos e oito meses de prisão, em regime inicial fechado.
O modo ousado como o furto foi praticado levou a maioria dos ministros a afastar a bagatela. O réu pulou uma grade de 1,7 metro de altura e um muro de 2,5 metros e só não levou mais objetos porque foi descoberto. Além disso, ele tem maus antecedentes, é reincidente específico e já foi beneficiado anteriormente com a aplicação do princípio da insignificância.
Para o ministro Sebastião Reis Júnior, a aplicabilidade do princípio da insignificância deve ser avaliada com cautela, observando-se as peculiaridades do caso concreto, para auferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta e a necessidade ou não de utilização do direito penal. Ele alerta que a aplicação irrestrita desse princípio pode estimular a prática de furtos de pequeno valor.
“Entendo que o princípio da insignificância não foi concebido para resguardar ou legitimar constantes condutas desvirtuadas, sob pena de se criar um verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal ou de se estimular a prática reiterada de furtos de pequeno valor, mormente aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida”, afimou Sebastião Reis Júnior no voto (HC 253.360).
Furto famélico
Já ao caso do morador de rua que arrombou um táxi para furtar moedas que somavam R$ 12, a bagatela foi aplicada. O dono, que tinha se afastado rapidamente do veículo, conseguiu pegar o ladrão.
No debate, os ministros apontaram que ele danificou o carro e, sendo um táxi, o conserto impediu temporariamente o trabalho do proprietário. Por outro lado, o morador de rua afirmou que iria comprar comida com o dinheiro.
O ministro Og Fernandes, que votou pelo trancamento da ação, lembrou que muito antes do princípio da insignificância já havia a figura do furto famélico, que não é crime porque a pessoa age em estado de extrema necessidade – desde que não haja violência. E isso é válido não apenas em furtos voltados para saciar a fome. Vale também para subtração de remédio ou de um cobertor em dias frios, por exemplo (HC 227.474).
Débitos tributários
Em julgamento de recurso especial repetitivo (REsp 1.112.748), a Terceira Seção seguiu decisão do STF e firmou o entendimento de que é possível aplicar o princípio da insignificância aos crimes tributários cujo valor não ultrapasse o limite de R$ 10 mil. De acordo com a Lei 10.522/02, a Fazenda Pública não executa créditos tributários inferiores a esse valor.
Para a Quinta Turma, a tese refere-se ao crime de descaminho, e não ao de contrabando. Embora os dois delitos estejam juntos no artigo 334 do Código Penal, eles são distintos. Contrabando é importação ou exportação de produto proibido, ou que atente contra a saúde ou a moralidade. Já o descaminho é a entrada ou saída de produtos permitidos, mas sem recolhimento dos tributos devidos.
Com esse fundamento, a Turma negou a aplicação do princípio da insignificância a acusado de contrabandear cigarros. A relatora, ministra Laurita Vaz, ressaltou que o objeto jurídico tutelado nesse delito, além da proteção ao erário, é a saúde, a moral e a ordem pública.
“A introdução de cigarros em território nacional sujeita-se à proibição relativa, sendo que a sua prática, fora dos moldes expressamente previstos em lei, constitui delito de contrabando, e não descaminho, inviabilizando a incidência do princípio da insignificância”, afirmou. A decisão foi unânime (AREsp 286.181).
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