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JOGOS DE AZAR: Justa Causa incentivada pelo Estado?

O intuito destas poucas linhas é fazer uma reflexão sobre o drama que está sendo para muitas famílias que estão endividadas pelos jogos online - como muito se alardeia atualmente - nos jornais nacionais e fantásticos do dia-a-dia. A "coisa" é séria!

Pois bem. No caso de um trabalhador formal, isto é, registrado em CTPS – carteira de trabalho e previdência social, como empregado, há uma previsão na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, em especial no artigo 482, alínea “l”, que prevê: “Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador (a) prática constante de jogos de azar”.

Se verificam diversos problemas nesta alínea, como:

* o que seria “jogo de azar”? Só o que depende da sorte, ou também o que depende de habilidade, como nas cartas?

* o por quê do artigo colocar a palavra “constante”, e não “habitual” como estão nas alíneas “c” e “f” do mesmo artigo? Seria para diferenciar algo?

* o objetivo é punir empregados de “confiança” da empresa, ou qualquer trabalhador está inserido nesta falta grave?

* os jogos seriam os permitidos pela Lei, ou só os ilegais, como “jogo do bicho”, “caça níquel”? Ou qualquer tipo de jogo confere esta justa causa?

Em resposta às dúvidas acima, temos:

Conforme a Lei das Contravenções Penais (DL 3688/41), no artigo 50, consta no § 3º, alínea “a”, que: “Consideram-se, jogos de azar o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”. Logo, não é só o que depende da sorte.

Habitual ou constante, tanto faz, pois são sinônimos para este caso do jogo de azar. Houve apenas uma falta de rigor técnico do legislador, que aparentemente não prestou a atenção na hora de redigir o texto, já que em alíneas anteriores do mesmo artigo utilizou a expressão "habitual".

Como a CLT não restringe, ou discrimina que tipo de trabalhador estamos a tratar, não pode o intérprete restringir. Então, todo e qualquer trabalhador está inserido nesta justa causa. Se porventura houvesse a desculpa de alguém falar que seria para “cargo de confiança”, já que pode o jogo atrapalhar as finanças da empresa, e o trabalhador teria acesso ao dinheiro do empregador – com possível risco de desvio financeiro – poderíamos inserir este empregado em outras alíneas, como ato de improbidade, indisciplina ou mau procedimento, esquecendo a ideia do "jogo de azar".

Por fim, e o mais problemático, é a questão da justa causa ser imposta apenas e tão somente para quem joga em situações não permitidas pela legislação estatal. Então, se o jogo do “tigrinho”, ou as “bets” estiverem liberadas por ordem do Estado, logo não teria o porque de se falar nessa falta grave.

Mas, em uma interpretação literal do texto do artigo 482 da CLT – novamente - não há qualquer discriminação para aplicar esta rescisão motivada, se o jogo é ou não legalizado no Brasil. Basta jogar, constantemente, que dará a justa causa (sendo de “azar”, por óbvio). Assim, no nosso entender, mesmo que o jogo de azar de que trata a legislação trabalhista seja permitido no País, cabe esta justa causa para demissão motivada do trabalhador.

Por cautela, apenas duas dicas finais:

*cuidado com o ato único, ou seja, descobriu que o trabalhador joga constantemente, já demite-o por justa causa? Não! Melhor dar uma advertência antes, e aguardar o comportamento do empregado, para futuras novas interpelações neste;

* cuidado com menor de 18 anos. Por mais que a legislação permita-o trabalhar como empregado (com exceção em alguns casos, como o doméstico, por exemplo), tente evitar esta justa causa ao menor de idade, pois talvez algum juiz possa entender que ele não tinha noção exata do que estava fazendo, já que estava em “desenvolvimento” psicossocial, entre outras situações como falta de assistência na hora da rescisão, como prevê o artigo 439 da CLT.

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