Por conta do Uber, 99, IFood
entre outras startups, as relações de trabalho vêm mudando rapidamente, e agora
o governo vai apresentar um projeto para modernizar a CLT (normas trabalhistas)
estipulando que “se há mais de duas partes no trabalho sob demanda, pode-se
concluir com segurança que não há relação de emprego ou de subordinação e não
se aplica o conjunto de regras da nossa CLT”, como declarou a comissão criada
pelo Ministério do Trabalho, em entrevista ao Jornal Folha de SPaulo, do dia 5
último.
Para relembrar, a CLT, nos
artigos 2º e 3º, estipula que para ser empregado basta que haja cinco
elementos: ser pessoa natural, trabalhar com pessoalidade, habitualidade,
remuneração e subordinação.Se existem estes requisitos em uma relação de trabalho alguém será considerado empregado, e “pronto e acabou”, como se diz quando se deseja terminar uma conversa ou raciocínio.
Agora - pelo jeito - o Governo Federal deseja criar mais um requisito, ou seja, temos que contar quantas pessoas estão envolvidas na arregimentação de um trabalhador. Se for uma relação bidimensional, isto é, tomador de mão-de-obra e trabalhador (diretamente) teremos relação de emprego. No entanto, se colocarmos um terceiro elemento no ambiente do negócio, daí teremos uma relação civil - e não de emprego - pois surgiram três pessoas, e não se admitirá relação celetista nesta situação.
Estão criando uma solução matemática, e não factual, “tampando” a realidade por meio de número de pessoas envolvidas na situação. Mas, cuidado, pois pode haver uma armadilha aqui.
No Brasil, o histórico de fraudes para evitar registro em carteira de trabalho é antigo. Lembro bem de quando mudaram o art. 442 da CLT para colocar um parágrafo único estipulando que não haveria relação de emprego quando estivermos diante de Cooperativas. Neste momento, os “gatos” (pessoas que intermediavam trabalhadores para empresas) se tornaram cooperativas (também chamadas gatoperativas ou fraudoperativas) e assim ninguém mais foi registrado, e livraram as empresas de pagarem FGTS, Férias, 13º etc.
Agora a ideia é uberizar a relação de trabalho. Se o prestador de serviço estiver com um IFood “nas costas”, nunca será considerado empregado de ninguém, como um passe de mágica. Nada contra o Uber, Ifood, que são empresas sérias e que encontraram um meio de faturar no mundo digital, em que pese haver discussão sobre a subordinação indireta (um tema para outro texto, claro). Mas alguém terá a brilhante ideia de noventaenovizar a relação de trabalho, criando um aplicativo de intermediação de mão-de-obra para fins de driblar a CLT, e novamente o trabalhador ficará sem o mínimo de seus direitos garantidos.
Imagine uma empresa com 100 empregados e que o RH, contador, assessoria, enfim, diga o seguinte: vamos criar um APP próprio, e contrataremos pessoas por meio do nosso aplicativo? Com efeito, não teremos que registrar mais ninguém, pois foi criado uma ficção nas nuvens, eliminando os direitos trabalhistas, pois uma interposta pessoa que trouxe o trabalhador para dentro da empresa.
Estamos caminhando para uma triangulação nas relações de trabalho. A CLT continuará a existir, mas pouquíssimas pessoas irão querer visitá-la.
Analogia para os mais velhos e pesquisadores: é o que ocorreu com a opção entre a estabilidade decenal e o FGTS. Só restou fundo de garantia, e a “opção” quem fazia era o patrão. Será que na hora de contratar, quando esta lei for criada, o contratante não irá determinar que o trabalhador se associe à uma noventaenove “da vida”?
Comentários